Hypera, ex-Hypermarcas, anuncia saída de presidente após operação da PF

Em entrevista à Folha, feita antes da busca, executivo fala da dificuldade de vender ao governo

retrato de Claudio Bergamo sentado à mesa de uma sala de reunião no escritório da empresa, em São Paulo
Claudio Bergamo, presidente da Hypera Pharma - Alberto Rocha/Folhapress
Joana Cunha
São Paulo

O conselho de administração da Hypera, novo nome da farmacêutica Hypermarcas, se reuniu nesta quinta-feira (26) e se preparou para anunciar, após o fechamento do mercado, a saída do presidente da empresa, Claudio Bergamo. 

No fim da tarde, a empresa divulgou via fato relevante a saída de Bergamo. No lugar dele, assumiu Breno Toledo Pires de Oliveira, que está há dez anos na companhia.
  
O movimento acontece duas semanas depois que a operação Tira Teima, da Polícia Federal, realizou busca e apreensão nas casas de Bergamo e do sócio majoritário da empresa João Alves de Queiroz Filho, conhecido como Junior da Arisco. 

A operação, que precipitou uma crise na cúpula da farmacêutica, decorre da delação premiada de  Nelson Mello, ex-diretor da Hypermarcas, que em 2016 relatou ter pago, por meio de contratos fictícios, R$ 5 milhões em caixa dois para a campanha do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) ao governo do Ceará em 2014.  Mello também já havia presidido a empresa no passado.   

A crise vem em um momento importante para a companhia, que em fevereiro deste ano mudou o nome Hypermarcas para Hypera Pharma, e neste mês assumiu o posto de maior anunciante no mercado publicitário brasileiro. A empresa, que ocupava o sexto lugar no ranking da Kantar em 2016, deixou para trás nomes como Genomma, Via Varejo e Caixa.

A mudança de nome acontece após uma grande transformação da companhia, que passa a ser uma empresa essencialmente farmacêutica, depois de vender, nos últimos anos, suas linhas de cosméticos, preservativos e fraldas, para focar as atividades em medicamentos. A origem da empresa de Junior da Arisco está no mercado de bens de consumo. Ela já foi dona de marcas como Assolan, Etti e Salsaretti. 

Em entrevista concedida à Folha antes da operação Tira Teima, Claudio Bergamo falou que a Hypermarcas não faz negócios com o governo porque é uma empresa de “varejar” e recomendou ao setor público uma reforma administrativa aproveitando analogias com o setor privado. 

“Vender para governo depende muito de quem está lá. Depende da política, muda. Para receber é difícil. E a gente sempre foi uma empresa de varejar. Nisso que a gente é bom”, disse. 

Antes da publicação desta entrevista, a reportagem voltou a entrar em contato com Bergamo, mas não obteve resposta. A assessoria de imprensa enviou nota afirmando que a “companhia apura os fatos relacionados à colaboração premiada do sr. Nelson José de Mello e continuará a colaborar com as autoridades e a adotar todas as providências cabíveis para a defesa de seus interesses e de seus acionistas”. 

 

Como foi a introdução do novo nome?

A companhia terminou a fase de desinvestimento nas áreas de consumo mais tradicionais no ano passado, com a venda das fraldas, depois de vender a parte de cosméticos e preservativos. Com isso, consolidou a estratégia de focar o setor farmacêutico. E achamos que precisava marcar essa mudança com o nome para se reposicionar. Colocar Pharma na frente é importante para ficar claro para o mercado local, mas também para o internacional. O Brasil é um grande mercado farmacêutico. Ele está caminhando para o quarto mercado do mundo. Somos a maior empresa deste mercado e a única de capital aberto. É importante nos reposicionarmos para a comunidade científica fora do Brasil e trazer novas tecnologias. Até há pouco tempo, nem éramos conhecidos como empresa farmacêutica porque viemos do setor de consumo.

O remédio similar vai ganhar mercado em cima do genérico?

O similar está estável. Agora que está tendendo a voltar a crescer, a tendência é começar a ter trade up [demanda por produtos mais caros]. Aí as pessoas ficam mais propensas a comprar, não só marcas, mas também produtos mais sofisticados. 

E os medicamentos biológicos? O que está acontecendo? Ouvimos falar tanto deles uns anos atrás e agora o setor se calou?

Biológicos são investimentos totalmente diferentes do que estamos falando, de longuíssimo prazo, cada produto são milhões e milhões de dólares.

Vocês têm uma participação na empresa de biológicos Bionovis, separadamente da Hypera.

 É totalmente separada. A Bionovis tem uma gestão independente e profissionalizada. Somos nós e outras. Grande parte da Bionovis são os PDPs [Parceria para o Desenvolvimento Produtivo], que foi uma política de governo de desenvolvimento de tecnologias internas, dando direito de preferência na venda para o governo através de companhias nacionais para que se pudesse, com isso, absorver tecnologia e poder transferir essa tecnologia ao governo. Então, a gente vem fazendo isso, o negócio está indo bem. Já temos alguns contratos com o governo e estamos desenvolvendo o nosso produto próprio lá também, que é um produto que, no seu tempo certo, deverá sair. São investimentos de longo prazo e é um mercado muito institucional, que é um mercado de governo. É um outro negócio. Não é o negócio em que nós estamos aqui na Hypera, que compete no mercado de varejo. Não é parte da vocação da Hypera hoje vender para governo. Nem temos esse objetivo.

Por que?

Não tem motivo de vender para governo. 

Vender para governo ficou um negócio complicado nos últimos tempos no Brasil da Lava Jato?

É uma questão de sustentabilidade. A gente gosta de ter um negócio que é sustentável no médio e longo prazo. Vender para governo depende muito de quem está lá. Depende da política, muda. Para receber é difícil. E a gente sempre foi uma empresa de varejar. Nisso que a gente é bom. Tem outas empresas que fazem isso e fazem bem. 

Como o sr. avalia o Brasil hoje? Por onde deve começar a mudar?

A reforma que hoje se fala pouco é a administrativa. O que eu faço aqui no setor privado o dia inteiro? Estudo como melhorar a produtividade com os meus recursos. O dia inteiro: seja através de gente ou do que eu invisto, ou do marketing, da produtividade da fábrica, da força de vendas. O que falta no Brasil é isso. O Brasil está deixando de capturar bilhões de investimento por um problema de gestão pública. Precisa valorizar a carreira de funcionário público. Por que não ter meritocracia, bônus por performance? Isso ajuda a atrair talentos. Se não, o brasileiro pensa: eu vou para o setor público porque vai me dar estabilidade e eu vou ganhar a minha aposentadoria. Aí já mistura com assistencialismo. 

Como corrigir?

Tem certos serviços públicos que não precisa ter funcionário público. Aí vem um conceito de Estado fiscalizador, empreendedor, regulador ou empregador. Não precisa ser um estado empregador. Ele pode criar um processo de licitação, terceirizar o serviço e depois fiscalizar. Na empresa, eu tenho que tomar essa decisão de “make or buy” [fazer ou comprar] o dia todo. Eu não tenho condição de fazer tudo. Para algumas coisas, tenho que chamar quem tenha ‘know how’ e escala. Tem países em que a análise de registro de medicamentos é terceirizada [no Brasil é feito pela agência reguladora Anvisa]. A velocidade da análise subiu porque foi criada uma concorrência. Saiu o monopólio do serviço público. 

Mas, fazendo uma comparação, nós vimos no último episódio da Carne Fraca que os laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura estavam fraudando resultado de exame. 

Isso é diferente. Hoje tudo é feito pela Anvisa e ela tem uma fila de espera enorme porque tem dificuldade de contratar gente. A própria Anvisa fez isso quando fez bioequivalência. Ela criou uma regulamentação. Quando a farmacêutica tinha produtos genéricos e similares, tinha que fazer teste de bioequivalência, esse mercado explodiu. E as empresas de bioequivalência começaram a competir entre si. Mas isso está dentro do que eu chamo de reforma administrativa. E até se abstrai um pouco da reforma da Previdência. Tem toda essa discussão da reforma da Previdência porque o estado brasileiro, que sempre foi empregador, tem que pagar a Previdência desses funcionários. Vamos supor que você é um gestor público. Aí você descobre que tem um monte de problema de performance em determinado órgão. O que você faz? Como você manda o cara embora? Como você sair dessa amarra? Terceiriza.

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