Por aplicativo ou no metrô, desempregados narram saga para entregar currículo

Veja dicas para ampliar chances de contratação e não se deixar abater pelo desânimo

Carlos Antonio Pereira está desempregado há mais de dois anos
Carlos Antonio Pereira está desempregado há quase dois anos - Rubens Cavallari/Folhapress
Gilberto Yoshinaga Rivaldo Gomes
São Paulo | Agora

Ele embarca no ônibus discretamente, diz ao motorista que está desempregado, exibe currículos que pretende distribuir e pede para não pagar passagem.

Quando está sem dinheiro —o que não tem sido raro nos últimos sete meses—, Pedro Sousa Filho, 40 anos, depende da compreensão do motorista para poder sair à procura de emprego.

Demitido em setembro do ano passado, ele tem vivido um drama: sem ter como pagar aluguel, passou a dormir no próprio carro, na garagem da casa da mãe —uma moradia pequena em que vivem outras seis pessoas, na Vila Congonhas, zona sul da capital.

“Só entro para tomar banho e decidi ‘morar’ no carro porque não me sinto à vontade para incomodar ainda mais”, conta ele, que é divorciado e se desdobra para tentar não atrasar as pensões alimentícias do filho de 13 anos.

“Não posso fraquejar e sei que trabalho bem. Por isso, todos os dias saio distribuindo currículos.”

Se nenhum motorista de ônibus se sensibiliza, Sousa Filho chega a caminhar oito horas por dia atrás de trabalho. Muitas vezes, em jejum. “As preocupações são tantas que, às vezes, fico sem nem beber água”, diz. “Mas tento fazer pelo menos uma refeição, geralmente na janta.”

O estudante Victor Hugo Lopes de Souza, 21, também não mede esforços para procurar emprego. Demitido há um ano e três meses, desde então só tem conseguido fazer bicos esporádicos. “Procuro de todas as formas, pela internet e pessoalmente”, conta ele, que mal consegue tirar cópias do currículo.

“Cada vez que saio, levo uns 30. Sai caro para quem está desempregado.”

A mãe dele vende marmitex a R$ 5 na Vila Nhocuné (zona leste), onde moram. O dinheiro ajuda a pagar o transporte e as cópias. “Quando não dá, vou a pé”, diz ele. “Já cheguei a caminhar mais de dez quilômetros, de casa ao Brás [região central], à procura de trabalho. Haja sola de sapato.”

CRIATIVIDADE E MEIOS ALTERNATIVOS

Há 23 meses, ele teve sua história contada nas páginas do Agora. Na época, cansado de ouvir “não” durante um ano em que esteve desempregado, Carlos Antonio Pereira, 42, teve a ideia inusitada de distribuir currículos nos vagões do metrô.

Um empregador viu a reportagem e o contratou dez dias depois, ainda que por apenas quatro meses. Desde então, ele vinha vivendo de apresentações de forró —toca teclado e canta, por cachês que vão de R$ 300 a R$ 500. Investiu mais de R$ 10 mil em equipamentos e tudo ia bem quando, sete meses atrás, toda a aparelhagem foi furtada.

“Vieram muitas dificuldades financeiras, mas sei que vou me levantar novamente com trabalho honesto. Tenho feito um bico aqui e outro ali, trabalhando com o que aparece”, diz Pereira, que já trabalhou com construção, carpintaria, segurança, limpeza e como ajudante, entre outras ocupações. “Mas a situação está cada vez mais difícil e, nos próximos dias, decidi voltar a oferecer currículos nos vagões de metrô.”

Para Beatriz Bambinetti, 27, como os meios convencionais de procurar emprego não funcionavam, o jeito foi buscar métodos alternativos. Foi quando encontrou o aplicativo Apponte —similar ao Tinder, que promove relacionamentos de casais. Mas, no caso do Apponte, o objetivo é conectar empregadores e desempregados.

Graças a um vídeo postado no aplicativo, há algumas semanas ela conseguiu uma vaga como assistente comercial. “Comecei a buscar outros meios porque os tradicionais não estavam dando muito certo”, comenta Beatriz, que é formada em letras e chegou a estudar em Portugal.

“Inclusive, eu vinha tentando sites tradicionais de recursos humanos e não dava resultado. No Apponte, um empresário viu meu vídeo, deu ‘match’ [quando os interesses se combinam] e, após uma entrevista, fui contratada.”

DESALENTADOS

O real número de desempregados é o dobro dos 12,6% —ou 13,1 milhões— apontados pelo IBGE. Tal indicador só inclui os desocupados que procuram trabalho.

O ano de 2017 terminou com 26,5 milhões de desocupados, o que também inclui 6 milhões de pessoas que trabalhavam menos de 40 horas semanais; 3,1 milhões que não estavam disponíveis (por problema familiar, por exemplo); e 4,17 milhões de desalentados —que queriam trabalhar, mas não procuravam mais emprego.


ENFRENTE O DESÂNIMO

> O desemprego cresceu no trimestre encerrado em fevereiro, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O contingente de pessoas à procura de trabalho, hoje, é de 12,6%, ou cerca de 13,1 milhões de desempregados

> A crise no mercado de trabalho também elevou a massa de desalentados —pessoas que, desanimadas, desistiram de procurar emprego. No último levantamento do tipo, ao final de 2017, 4,3 milhões de pessoas eram classificadas como desalentadas

Não desanime e amplie suas chances

> Ainda que o mercado de trabalho esteja difícil e o próprio aperto financeiro torne as coisas mais difíceis, algumas dicas podem ajudar quem não desiste de buscar uma oportunidade:

Capriche no currículo

> O currículo é o cartão de visitas do trabalhador e precisa ser apresentável, bem elaborado, atualizado e objetivo

> Quem já teve trabalhos distintos e incompatíveis (garçom e estoquista, por exemplo) deve fazer currículos diferentes, cada um com foco em uma ocupação

Não desperdice ‘cartuchos’

Se a grana está curta até para imprimir ou tirar cópias do currículo, só se candidate a vagas que condizem com sua qualificação. Além de desperdiçar tempo e recursos, mirar vagas inalcançáveis pode aumentar o desânimo e a sensação de frustração

Preserve e use sua rede de contatos

Não há nada de errado em recorrer a amigos e ex-colegas de trabalho para tentar alguma indicação de trabalho. Por isso, e para não parecer interesseiro, é importante sempre manter o bom relacionamento com eles

Atualize-se aos novos tempos

Entregar currículos pessoalmente ainda é válido, mas muitas empresas, hoje, usam a internet para recrutar trabalhadores. Além de dinamizar a busca por trabalho, a internet também é útil para se qualificar, por meio de aplicativos e cursos gratuitos

Supere adversidades, mas com sinceridade 

Há recrutadores que valorizam quem está com dificuldades e se desdobra para procurar emprego (entregando currículos a pé, por exemplo). Mas isso tem de ser uma circunstância sincera, e não uma falsa estratégia para tentar sensibilizar o recrutador

Não faça da precariedade uma ‘desculpa’

Mesmo que esteja com dificuldades financeiras, não deixe de se preparar e se apresentar da melhor forma possível. Isso inclui qualidades como boa higiene, escolha de trajes adequados, educação, boa postura, seriedade e objetividade

Fontes: Carla Carvalho, assessora de carreira da agência de recursos humanos Catho, e IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

Erramos: o texto foi alterado

O nome do aplicativo que conecta desempregados e empregadores mencionado na matéria é Apponte, e não Apontte, como grafado anteriormente. 
 

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