Warren Buffett deixa conselho em momento delicado para a Kraft Heinz

Buffett anunciou sua saída em fevereiro, dizendo que queria viajar menos

Warren Buffett durante evento em Washington
Warren Buffett durante evento em Washington - Yuri Gripas - 30.jan.2018/AFP
Financial Times

Warren Buffett deixará na segunda-feira seu posto no conselho da Kraft Heinz, depois de cinco anos, em um momento de incerteza sobre o futuro para o grupo de alimentos no qual a Berkshire Hathaway, sua companhia de investimento, adquiriu participação de 27%.

Buffett, 87, anunciou sua saída em fevereiro —quase exatamente um ano depois de uma tentativa fracassada da Kraft Heinz para adquirir a Unilever por US$ 143 bilhões. Segundo o investidor, o motivo da decisão era sua vontade de viajar menos.

A saída dele surge em um momento delicado para a Kraft Heinz, e despertou dúvidas sobre o relacionamento entre Buffett e o 3G Capital, grupo de capital privado fundado por Jorge Paulo Lemann, o outro grande acionista na companhia de alimentos.

Buffett disse ao Financial Times que "minha saída do conselho não representa qualquer mudança no relacionamento entre a Berkshire e o 3G. Não participo de conselhos de empresas de capital aberto [exceto o da Berkshire] e não pretendo participar de qualquer conselho no futuro".

A Kraft Heinz teve um ano horrível desde a rejeição de sua oferta pela Unilever; seus mais recentes resultados trimestrais decepcionaram, e as ações caíram em mais de 30% nos últimos 12 meses.

"Não há questão de que nossos resultados financeiros em 2017 não realizaram nosso potencial", reconheceu Bernardo Hees, presidente-executivo da empresa, em fevereiro.

Ainda que Hees tenha falado sobre expandir o investimento e o potencial de crescimento orgânico, alguns analistas não parecem convencidos. Eles acreditam que uma nova transação poderia estar a caminho, no campo das fusões e aquisições, mas temem as consequências caso a Kraft Heinz fracasse uma segunda vez.

"Crescimento orgânico não é a especialidade da Kraft Heinz", afirmaram analistas do banco Credit Suisse em recente nota de pesquisa. "Temos sérias dúvidas sobre a capacidade da equipe de gestão para gerar inovação suficiente em seus produtos e promover o crescimento de suas marcas retrô, em categorias de produtos altamente genéricas".

Lemann, o homem mais rico do Brasil, é amigo de Buffett desde que os dois se conheceram, como integrantes do conselho da Gillette, 20 anos atrás. Lemann e Marcel Telles, outro dos três brasileiros que fundaram o 3G, fazem parte do conselho da Kraft Heinz.

De muitas maneiras, a parceria entre Buffett e Lemann é uma das mais improváveis no mundo dos negócios.

Buffett, conhecido pelo apelido "o sábio de Omaha", cultiva uma imagem aconchegante, paterna —um investidor amistoso que aprecia os gestores das empresas em que investe. Mas o 3G Capital, criado por Lemann depois que ele fez fortuna com a Anheuser-Bush InBev, tem a reputação de adquirir empresas, descartar seus gestores —11 dos 12 principais executivos da Heinz foram demitidos no mesmo dia— e de cortar custos impiedosamente.

Buffett conferiu credibilidade instantânea nos Estados Unidos ao grupo brasileiro. Além disso, a busca de Buffett por transações "gigantescas" se enquadrava bem à formidável ambição do 3G.

Buffett escreveu, em sua carta de 2015 aos acionistas da Berkshire, que "soube imediatamente que essa parceria [com o 3G] funcionaria bem, tanto do ponto de vista pessoal quanto do financeiro".

No entanto, atrair Buffett não custou barato para o 3G. Os US$ 8 bilhões em ações preferenciais em que a Berkshire Hathaway investiu inicialmente na Heinz portavam um generoso dividendo de 9%. A Berkshire também investiu US$ 10 bilhões separadamente em ações ordinárias da Kraft Heinz.

Os US$ 3 bilhões que a Berkshire emprestou para financiar a aquisição da cadeia canadense de cafés Tim Hortons pelo 3G também envolviam taxa de 9%.

Buffett e a equipe do 3G se uniram em 2013 para a aquisição da Heinz, cujo capital foi fechado mas reaberto em 2015, quando a empresa se fundiu com a Kraft. No entanto, em seu terceiro esforço, uma oferta pela aquisição da Unilever em 2017, os parceiros não tiveram a mesma sorte.

Buffett admitiu que foi ele que decidiu abandonar a aquisição da Unilever, diante da forte resistência da empresa, porque isso contrariava seu lema de conduzir apenas transações amistosas.

"Tornou-se muito aparente que a Unilever não desejava essa oferta. Recebi ligações nesse sentido e, depois dessas conversas, decidi que, se a oferta não estava sendo recebida positivamente, melhor retirá-la", disse Buffett à rede de notícias CNBC, pouco depois do abandono da transação.

Acrescentando que para Alex Behring, o brasileiro que é presidente do conselho da Kraft Heinz e presidente-executivo do 3G, o inglês era o segundo idioma, Buffett disse que "vi mal-entendidos no passado. Essa é uma das razões para que eu goste de fazer as coisas da maneira que faço. Sempre digo que só faço uma oferta se o parceiro estiver interessado".

​DIVERGÊNCIAS

Mais recentemente, Buffett e a Kraft Heinz pareceram divergir sobre o clima para investimentos. Buffett declarou em sua carta aos acionistas, em fevereiro, que as avaliações de valor de mercado "provaram ser uma barreira para virtualmente todas as transações que estudamos em 2017, já que até mesmo os preços de empresas decentes mas nada espetaculares estavam astronômicos".

Semanas antes, Hees havia declarado a analistas que "os valores de mercado hoje são muito mais atraentes do que há apenas dois meses. E o capítulo da integração da Kraft Heinz já ficou para trás".

Já que os dois parceiros estão sempre em busca de transações, essa divergência de opinião quanto aos valores de mercado, e a oposição de Buffett a tomadas de controle hostis, pode estar bloqueando as ambições do 3G quanto a fusões e aquisições por parte da Kraft Heinz.

Alexia Howard, analista da corretora Bernstein, disse que "alguns investidores entenderam a saída de Buffett do conselho da Kraft Heinz como indicação de que a Kraft Heinz pode estar inclinada a uma aquisição hostil. Não sei quais são as intenções deles, mas em linhas gerais parece que isso se torna mais possível agora do que era quando Buffett ainda era parte do conselho".As ambições dos parceiros quando a novas aquisições podem ter sido prejudicadas por seus passados sucessos.

A maioria dos grandes fabricantes de alimentos industrializados, como a General Mills e a Kellogg, iniciou programas defensivos de cortes pesados de custos, a fim de impedir intervenções de acionistas ativistas e evitar abordagens indesejadas.

Mesmo assim, a Mondelez vem sendo mencionada por analistas como melhor substituta para a Unilever. Como no caso da companhia anglo-holandesa, grande proporção de suas vendas acontece nos mercados emergentes, e ela controla marcas conhecidas, como os biscoitos Oreo e os chocolates Cadbury.

Uma pessoa informada sobre a situação disse que o 3G já tinha uma aquisição pronta mas que seus planos foram prejudicados pela eleição de Donald Trump. A retórica protecionista de Trump e sua disposição de agir diretamente contra empresas específicas poderiam complicar o corte de custos e o fechamento de fábricas.

Mas quando perguntado em setembro do ano passado se a Kraft Heinz compraria a Mondelez, Buffett respondeu que "acho que a resposta é não".

Se o 3G ainda espera fazer uma oferta pela Mondelez, a saída de Buffett como conselheiro pode facilitar a transição. Mesmo assim, a Berkshire Hathaway mantém dois assentos no conselho da empresa, um dos quais ocupado por Greg Abel, veterano executivo da companhia de Buffett, que serve como vice-presidente do conselho da Kraft Heinz.

Buffett será substituído por Alexander Van Damme, que é próximo aos fundadores do 3G. Ele faz parte do conselho da AB InBev and Restaurant Brands International, por meio da qual o 3G controla as cadeias de restaurantes Tim Hortons e Burger King.

Ainda que analistas do Credit Suisse vejam a Mondelez como provável alvo, também acreditam que tentativas hostis de tomada de controle sejam improváveis. "Nossa sensação é de que a Kraft Heinz e o 3G ainda veem uma tomada hostil como último recurso, e que se manterão alinhados com as posições da Berkshire".

Sem o poder de fogo de Buffett —a Berkshire tem US$ 11,6 bilhões em reservas de caixa e títulos do Tesouro, de acordo com a mais recente carta dele aos acionistas—, parece improvável que o 3G consiga realizar uma transação de porte muito grande, como uma aquisição da PepsiCo, também vista como provável alvo.

A queda nas ações da Kraft Heinz também reduziu o poder aquisitivo da empresa. O múltiplo de avaliação da companhia caiu a menos 5%, ante 16% positivos em fevereiro de 2017, o que significa que a empresa precisaria aumentar em 45% seu volume de ações em circulação se deseja adquirir a Mondelez com pagamento em ações, de acordo com o Credit Suisse.

Buffett talvez ainda ofereça apoio financeiro às transações da Kraft Heinz. "A Berkshire Hathaway pode optar por manter perfil mais discreto em futuras transações da Kraft Heinz, talvez participando via ações preferenciais mas sem necessariamente contribuir com capital para futuras aquisições alavancadas", disse Pablo Zuanic, analista da Susquehanna International.

Uma pessoa que conhece Buffett disse que "ele realmente quer manter sua imagem como tio Warren. Creio que participará de novas transações, mas não precisa ficar sentado ao lado deles diante dos olhos do público. Uma coisa é sentar ao lado de alguém, e outra investir com essa pessoa".

PARCERIA

O relacionamento entre Warren Buffett e o 3G Capital foi "altamente lucrativo" para a Berkshire Hathaway mesmo com a fraqueza nas ações da Kraft Heinz durante os últimos 12 meses, disse Jay Gelb, analista do banco Barclays.

A Berkshire investiu US$ 4,4 bilhões, em parceria com o 3G, quando os dois grupos tomaram o controle da Heinz e fecharam seu capital, em uma  transação de US$ 28 bilhões realizada em 2013.

O diversificado conglomerado de investimento em seguida emprestou US$ 7,7 bilhões para a compra de ações preferenciais, como parte do acordo, o que valeu US$ 720 milhões de juros ao ano para a empresa até o resgate das ações, em 2016. Buffett investiu mais US$ 5,3 bilhões quando a Heinz abocanhou a Kraft, em uma transação anunciada em 2015.

O valor daquele investimento de capital de quase US$ 10 bilhões na Kraft Heinz subiu a quase US$ 30 bilhões em 2016, mas despencou com a queda de quase 34% nos preços das ações da empresa nos últimos 12 meses.

James Shanahan, analista do grupo de investimento Edward Jones, estima um valor corrente de pouco menos de US$ 20 bilhões para a participação acionária, cerca de US$ 2 bilhões a mais do que o valor contábil das ações nos livros da Berkshire Hathaway.

A companhia continua a receber dividendos de US$ 800 milhões ao ano de seu investimento na Kraft Heinz.

"O investimento ainda pode ser visto como uma vitória, mas o recente declínio substancial nas ações da Kraft Heinz... reduziu o valor econômico que a transação havia criado para a Berkshire", disse Shanahan.

A Berkshire Hathaway e o 3G também se alinharam na tomada de controle da Tim Hortons pelo Burger King. A Berkshire emprestou US$ 3 bilhões ao Burger King, com taxa de juros de 9%. A dívida foi paga no ano passado. 

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Scheherazade Daneshkhu, Eric Platt e Sujeet Indap

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