'Eu me recuso a chamar de crise o que ocorre na Argentina', diz ministro da Fazenda

Segundo Nicolás Dujovne, perdas do agronegócio e impacto do dólar levaram país ao FMI

Nicolás Dujovne, ministro da Fazenda da Argentina, durante evento em Buenos Aires
Nicolás Dujovne, ministro da Fazenda da Argentina, durante evento em Buenos Aires - Eitan Abramovich/AFP
Buenos Aires

Em pleno aniversário da Independência argentina, no último dia 9 de julho, num discurso supostamente festivo, o presidente argentino, Mauricio Macri, assumiu: "Estamos passando por uma tempestade econômica".

Foi a primeira vez que ele admitiu, de forma aberta, que as palavras que vinham circulando em noticiários, análises de economistas e papos de bar são reais: "crise" e "recessão".

Ou seja, o contrário de seu discurso de campanha e de até então em sua gestão, de que as medidas liberais e anti-populistas adotadas quando assumiu, em 2015, estavam levando a Argentina "pelo caminho da felicidade".

 

A crise começou em abril, com o dólar disparando (chegou a tocar os 30 pesos) e a moeda nacional se desvalorizando em quase 40% em questão de semanas. A inflação insiste em não chegar à meta 15% para este ano --está em 25%-- e uma grave seca fez com que o país perdesse parte da colheita de soja.

Por fim, viu-se novamente a imagem que causa tanto trauma aos argentinos: a equipe econômica pedindo dinheiro ao FMI. O acordo prevê uma linha de crédito de US$ 50 bilhões, sempre no caso de que o país cumpra as metas estabelecidas pelo fundo.

Em entrevista à Folha, o ministro da Fazenda e coordenador da equipe econômica do governo, Nicolás Dujovne, 51, disse que "algo que não queríamos que ocorresse, ocorreu", mas que não concordava com a palavra crise, e sim com a palavra recessão, "desde que seja contextualizada".

 

O senhor acaba de voltar de um encontro com investidores nos EUA. Eles estão preocupados?"

A reunião foi para explicar detalhes do acordo com o FMI. A ideia é que tirassem dúvidas e tivessem certeza de que há garantias para seus investimentos e que os contratos seguem vigentes.

Não havia ar de preocupação, então?

Vi uma preocupação que se relaciona com que impacto político isso pode ter, uma vez que há eleições no ano que vem e eles queriam saber das chances de reeleição deste governo.

Qual seria o medo, o não cumprimento do acordo?

Não tanto isso, mas sim uma preocupação de que o populismo voltasse à Argentina e com ele todas as travas e incertezas da gestão anterior.

As palavras crise e recessão ressurgiram com força. Outro dia, o presidente Macri falou em tempestade. Houve algum acidente na rota que tinham calculado?

Sim, essas palavras ressurgiram. Eu me recuso a chamar o que está ocorrendo de crise e creio que a recessão tem de ser contextualizada. O que ocorreu foi que vínhamos crescendo bem, e de modo acelerado. No primeiro trimestre, tivemos 3,6% de crescimento interanual, o investimento cresceu 18%, algo que não víamos desde o boom dos commodities, nos anos 2000. Porém, surgiram fatos novos. Primeiro, a seca, que foi grande e importante para um país cujas exportações são 60% vinculadas ao setor agropecuário.

Era imprevisível?

A seca deu sinais em dezembro e janeiro, mas tínhamos a esperança de que se revertesse. Não nos demos conta da magnitude. E foi numa região de produção de soja. Por sorte não perdemos o milho, porque o milho se colhe antes.

Mesmo assim foi algo muito forte, nos tirou mais de US$ 8 bilhões de exportações. Perdemos mais de 1 ponto do crescimento do PIB. O aumento do dólar foi outro impacto. E o custo do petróleo, que deu mais força à inflação, já que encareceu o combustível.

A alta do dólar atingiu outras moedas, inclusive o real. Mas a Argentina é uma economia mais frágil.

Ainda? Por quê?

Porque não terminamos de corrigir os desequilíbrios macroeconômicos que herdamos da administração anterior (os Kirchner, de 2003 a 2015). Por isso os impactos na Argentina são maiores, por isso a depreciação do peso foi maior. E isso se transferiu aos preços, porque ainda não construímos um esquema eficiente de metas de inflação.

Ainda assim, o senhor se mostra otimista?

Sim, porque eu destacaria que a Argentina entrou nesse período de maior volatilidade e de menor crescimento com um conjunto de regras e irá sair dela exatamente com as mesmas regras: um tipo de câmbio flutuante, mesmas regras para investidores no setor energético, sem fechar a economia, sem controlar capitais, sem congelar depósitos das pessoas ou reestruturar as dívidas.

Isso foi o que a Argentina fez, basicamente, ao longo de toda sua história econômica. É certo dizer que nos passou algo impactante, mas eu não chamaria de crise. A recessão tem um contexto e que essas coisas acontecem, mas que vão passar.

Esse impacto influenciará no crescimento do país neste ano?

A Argentina ia crescer, sem a seca, uns 3,5%. Só com a seca, entre 2% e 2,5%. Agora, eu diria que vamos crescer entre 0,5% e 1%. Mas destaco que estamos lidando com essa forte desaceleração de crescimento sem dar um tapa no tabuleiro de jogo. Obviamente não estou contente de que tenha ocorrido isso. Mas estou contente de que vamos sair dessa situação jogando o mesmo jogo, com as mesmas regras, de antes.

Isso não os obrigou a mudar estratégias em alguma área?

Sim, tivemos que acelerar a convergência do equilíbrio fiscal. A Argentina ia alcançar o equilíbrio primário das contas públicas no ano 2021, e nós o adiantamos para 2020. Essa é a mudança, que tínhamos de fazer com a ida ao FMI ou não. Porque com os mercados mais voláteis, o tamanho de fundos de que dispomos para financiar nosso déficit é menor, então temos que diminuir o déficit.

Agora, sem o acordo com o FMI, o ajuste teria sido muitíssimo mais forte, porque teríamos que substituir o que estamos tomando emprestado por mais ajuste fiscal.

O dinheiro do acordo virá em cotas, de acordo com o cumprimento das metas. Há risco de uma segunda remessa não chegar?

Não, porque vamos cumprir as metas. Em nenhum acordo o FMI entrega tudo de uma vez. Todos dependem de metas. Mas não há nenhuma possibilidade de que não cumpramos o acordo.

O senhor está agora trabalhando no orçamento do ano que vem. Qual o principal desafio?

Temos que baixar o déficit primário de 2,7% do PIB para 1,3%. O ajuste não é tão diferente do que já fizemos. Em 2017, tínhamos meta de déficit de 4,2% do PIB, e fechamos o ano com 3,8%. Estamos baixando a meta para 2,7% neste ano, fazíamos isso antes do acordo com o fundo.

Para tirar um pouco do dramatismo que vejo em torno do que implica nosso plano fiscal para o ano que vem, eu digo: temos que fazer o que estamos fazendo neste ano. E baixar um pouco os gastos.

Mas qual a margem de ajustes que o governo ainda pode fazer?

Cerca de 62% do nosso orçamento está garantido e regulado por lei para aposentadorias, pensões e assignação por filho (espécie de bolsa-família). Isso não se vai cortar. A margem de manobra é sobre o resto, que se reparte em salários da administração, transferências para províncias, obras públicas, subsídios a áreas da economia, bens e serviços. Em tudo isso, estamos fazendo cortes.

Nesta semana foi anunciado um decreto cortando ou congelando verbas para viagens, uso de carros oficiais, novas contratações. Isso tem peso significativo?

São coisas que parecem pequenas, mas no conjunto fazem diferença. Também congelamos contratações e horas extras no setor público por dois anos. Dá um 0,15% do PIB.

O senhor considera a crise de financiamento da Argentina grave?

A Argentina não perdeu o financiamento dos mercados, mas este ficou mais escasso e caro. Todos os países da América Latina precisam de financiamento. Com o acordo com o FMI, agora a Argentina conseguirá adaptar seu programa financeiro a algo compatível com seu mercado de capitais, que é pequeno. A situação ficou mais vantajosa. Em 2019, vamos ter de buscar nos mercados o equivalente a US$ 8 bilhões, e podemos fazer isso localmente, é um terço do que vínhamos buscando até um ano atrás.

Também pensamos que nosso risco-país vai voltar a baixar. Essa ideia da oposição de que a chuva de investimentos (termo usado por Macri e a equipe econômica no começo do governo) não veio é um mito. Qualquer um que olhar os números verá que o investimento está vindo aos poucos e que neste ano estamos voltando a exportar e a investir, seguimos crescendo. Vínhamos de um período, entre 2011 e 2015, em que as exportações caíram quase 40%. Estamos recuperando o processo exportador da Argentina.

Agora, o investimento que crescia a 18% no primeiro trimestre não vai seguir crescendo no mesmo ritmo no resto do ano porque as condições mudaram. Mas vamos crescer, e isso é uma novidade. Um ano no qual temos um choque externo e o investimento segue crescendo significa que há um olhar de longo prazo de muitos setores que faz com que o investimento não pare.

Também temos notícias muito promissoras com relação à energia em Vaca Muerta (campo de gás e petróleo na Patagônia), que deixou de ser uma promessa e é uma realidade. A Argentina vai ser exportadora de energia dentro de dois anos provavelmente e os preços do gás seguramente vão ser muito mais baixos.

Mas por enquanto ainda se compra energia, em dólares.

Compramos no inverno. No verão vai sobrar gás. Passamos nove anos em que se esteve destruindo o setor energético na Argentina e em apenas dois anos e meio conseguiremos passar a exportar gás no verão.

A inflação é a cara mais visível da economia para a população e há muitas queixas, manifestações, inclusive problemas com os sindicatos. Como combater esse problema?

Estamos trabalhando para cumprir a meta deste ano. Mas também faz parte da mudança desta gestão não tapar os problemas e mostrar que a solução para a economia é de longo prazo. Estamos dizendo a verdade e a sociedade vai escolher, no ano que vem, se segue apostando em nosso caminho ou se prefere acreditar na volta do populismo e suas soluções mágicas. Nós, como governo, hoje, estamos focados em transitar esse período e comunicar isso aos argentinos. Depois eles irão se pronunciar nas urnas.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.