Descrição de chapéu The New York Times

Novo sinal de desaceleração na China: falta capital para a tecnologia

País enfrenta queda do consumo domiciliar e calotes dos setores público e privado

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Li Yuan
Hong Kong | The New York Times

Wang Shidong e seus dois sócios estavam terminando o mestrado, dois anos atrás, quando arrecadaram US$ 45 milhões em menos de dois meses para iniciar um fundo de capital para empreendimentos. A mulher dele, professora de escola primária na aldeia em que ambos nasceram, ficou "apavorada" com a ideia de que ele teria de administrar tanto dinheiro, disse Wang.

As coisas mudaram, este ano. Depois de três meses e de visitas a mais de 90 potenciais investidores, em diversos locais da China, Wang e seus sócios conseguiram arrecadar apenas US$ 3 milhões para um segundo fundo. Em junho, eles fecharam sua empresa.

quatro pessoas trabalham em seus computadores, ao fundo, ampla janela de vidro mostra os prédios da cidade
Incubadora de start-up na área de Zhongguancun, em Pequim, conhecida como o Vale do Silício chinês - Bryan Denton - 5.dez.2017/The New York Times

A administradora de fundos que criaram, a East Zhang Hangzhou Investment Management, foi uma das cerca de 10 mil empresas semelhantes fundadas nos três últimos anos, como parte da corrida ao ouro tecnológica alimentada em parte pelo sistema de orientação governamental ao crescimento econômico da China. Agora, elas se tornaram o mais recente sinal de que o crescimento chinês está se desacelerando.

"Todos os setores, instituições e indivíduos estão sofrendo de falta de capital", disse Zhang Kaixin, fundador e presidente-executivo da Jinfuzi ["machado dourado"], uma empresa de gestão online de ativos sediada em Shenzhen. A Jinfuzi, que detém US$ 4,5 bilhões em ativos sob administração, é o tipo de investidor cortejado pelos fundos de tecnologia.

"Muitos investidores em fundos de capital privado e de capital para empreendimentos querem retirar seu dinheiro", disse Zhang.

O capital para empreendimentos é uma parte pequena da economia da China, que, de acordo com a maioria dos observadores, continua a crescer em ritmo rápido, se comparada a muitos outros países. Mas os problemas de capitalização do setor podem ser sintoma de um mal mais amplo.

Depois de muitos anos de crédito fácil e crescimento acelerado, a China está lutando com um enfraquecimento do investimento e do consumo domiciliar, e com calotes cada vez mais graves do setor empresarial e de governos locais. Isso pode se tornar o problema mais difícil que o presidente Xi Jinping já teve de enfrentar desde que assumiu a liderança suprema do país, em 2013. Será que os 40 anos de expansão econômica contínua da China cessarão em sua gestão? Se isso acontecer, como reagirão os 1,4 bilhão de habitantes da China ao perceberem que a trajetória ascendente do país está chegando ao fim?

Muitos chineses continuam a acreditar que o governo central tem a capacidade de impedir que a economia caia a uma recessão, como aconteceu durante a crise financeira asiática de 1997 e a Grande Recessão de 2008. Pequim controla os bancos, terras, taxas de câmbio e a mídia, e por isso pode mobilizar e manipular todos esses recursos quando necessário.

"Na China, acreditamos na economia keynesiana", disse Zhang, da Jinfuzi, se referindo a uma teoria econômica que favorece um papel maior para o governo. "Se o que está acontecendo na China estivesse acontecendo nos Estados Unidos, já teria sido classificado como recessão, porque nem mesmo os economistas têm autorização para fazer projeções de queda".

Mas em conversas privadas, investidores, empreendedores e economistas admitem que, com o alto nível de endividamento e a guerra comercial com os Estados Unidos, a margem de manobra do governo está encolhendo. O grau de pessimismo varia, mas muitos deles estão se preparando para um período de dificuldades, no futuro imediato.

Muitos me aconselharam a converter minhas economias em ouro, uma medida de administração de riscos reservada a momentos extremos. Estão preocupados com a possibilidade de que a guerra comercial prejudique os setores de tecnologia e capital para empreendimentos porque ambos operam internacionalmente. Imaginam até a probabilidade de que o mundo recue à era da Cortina de Ferro, a ordem mundial anterior a 1989, com barreiras políticas, econômicas e ideológicas entre o bloco soviético e o Ocidente.

Wu Xiaoling, antiga vice-presidente do banco central chinês e agora diretora da Escola de Finanças PBC, na Universidade Tsinghua, disse aos seus alunos na semana passada que eles deveriam se preparar para incertezas políticas e econômicas. "Não nos resta muito tempo para diversão no carnaval de bolhas", disse em palestra. "Todos os países, todos os indivíduos, precisam se preparar para encarar a realidade, depois que a maré baixar". O texto de seu discurso circulou amplamente na mídia social chinesa, possivelmente porque ela disse em voz alta o que muitos chineses têm em em seus pensamentos.

O setor de capital para empreendimentos da China pode servir como indicador do que está por vir. Ele é sensível tanto aos influxos de dinheiro quanto aos sentimentos do mercado, e pode oferecer uma boa avaliação quanto à saúde de setores essenciais da economia chinesa. Na segunda-feira, o governo chinês reportou que a economia do país cresceu em 6,7% no segundo trimestre, ante o resultado do período um ano atrás.

Até agora, a capitalização está fraca este ano. No primeiro trimestre, os fundos de capital privado e capital para empreendimentos arrecadaram menos de dois terços do total obtido no período em 2017, de acordo com a Zero2IPO Research, uma empresa de pesquisa de mercado em Pequim. As atividades de investimento do setor caíram em quase 50%. No passado, a economia passou por períodos de desaceleração na capitalização em momentos de crise, mas os números e as pessoas envolvidas apontam que a desaceleração atual não tem precedentes.

Fundos de capital para empreendimentos como o East Zhang surgiram em parte porque, a partir de 2014, o governo chinês transformou a inovação e o empreendedorismo em prioridades. Os líderes do país esperavam que startups ajudassem a elevar a China de uma potência industrial a uma potência tecnológica. Grandes empresas, bancos e indivíduos endinheirados brigavam para oferecer dinheiro a fundos de capital para empreendimentos, para investimento em startups.

"Terminamos com muito dinheiro burro, administrado por investidores inexperientes", disse Ran Wang, presidente-executivo do banco de investimento CEC Capital Group, em Pequim.

Wang Shidong, da East Zhang, disse que sua empresa arrecadou capital em 2016 sem ter de responder a perguntas difíceis. Eles decidiram se estabelecer na cidade de Hangzhou, no leste do país, que -  para atrair fundos como o de Wang - oferecia um processo simplificado de registro de empresas, benefícios fiscais e locação de escritórios a preços abaixo do mercado, como fazem muitas outras cidades da China.

Eles investiram em 17 projetos de comércio eletrônico, internet, biotecnologia e agricultura. Apenas um deles está apresentando bons resultados. Os demais fracassaram ou mal conseguem sobreviver, disse Zhang.

O clima no segmento de capitalização mudou completamente este ano, segundo ele. "Os investidores começaram a prestar atenção aos nossos números", afirmou.

Não são apenas empresas iniciantes como a East Zhang que estão enfrentando dificuldade para atrair investidores. Quase todos os fundos de capital para empreendimentos estão enfrentando problemas para obter capital.

Sob pressão do governo para que melhorem suas finanças, os bancos abandonaram os investimentos de risco. Este ano, o mercado de ações chinês está em crise, o que custou muito dinheiro às empresas e aos investidores de alto patrimônio. O governo está restringindo as operações das fontes de capital informais e de maior risco que forneciam boa parte do dinheiro administrado pelo setor de capital para empreendimentos na China.

Quando a Wang Shidong, da East Zhang, ele vendeu seu apartamento e carro para repor o dinheiro de alguns investidores, e está se preparando para recomeçar. Está estudando uma oferta de um colega de trabalho para um projeto de pagamentos on-line na Nigéria.

"Sou aventureiro", ele disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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