A recente perda de fôlego da economia mundial representa um risco à recuperação da confiança de empresários e consumidores brasileiros, que foi impulsionada pelo fim da incerteza eleitoral.
A dúvida é se uma dinâmica doméstica de retomada pode se sustentar em meio à desaceleração que começa a ocorrer em grande parte das nações avançadas e emergentes.
Indicadores que medem o otimismo sobre a economia brasileira têm dado sinais de melhora depois de um longo período de desempenho fraco.
O índice de confiança do consumidor calculado pela Fundação Getulio Vargas subiu 7,1 pontos em novembro, para 93,2, maior patamar desde julho de 2014. Com uma base de comparação fraca, a alta de 11,1 pontos acumulada nos dois últimos meses é a mais intensa registrada em um bimestre desde o início da série histórica, em setembro de 2005.
No comércio, o otimismo também registrou forte avanço em novembro, com aumento de 6,9 pontos do índice de confiança, para 99,4. Na indústria, a recuperação foi mais tímida —o indicador passou de 94,1 para 94,3 pontos—, mas foi a primeira alta desde maio.
A mensuração da percepção de consumidores e investidores sobre a conjuntura econômica atual e de suas expectativas em relação ao futuro é um dado importante porque normalmente antecipa o rumo da atividade econômica.
Quando há otimismo, a tendência é que as famílias se disponham a ampliar o consumo, e os empresários, a investir, impulsionando o crescimento. Mas, para que isso ocorra, as expectativas que sustentam a confiança têm de se transformar em fatos concretos.
No Brasil, o otimismo recente é alimentado pela aposta de que o novo governo adotará medidas capazes de reduzir o desemprego, incentivar os investimentos e reequilibrar as contas públicas.
"[Jair] Bolsonaro vai herdar uma economia em ritmo de recuperação com muita capacidade ociosa. Desde que haja progresso na reforma da Previdência e em outras que sejam pró-crescimento, a economia deve acelerar", diz Robert Wood, economista-chefe da consultoria Economist Intelligence Unit para a América Latina.
Segundo Wood, no entanto, a desaceleração da economia global deverá limitar o crescimento brasileiro no próximo ano a uma taxa de 2% a 2,5%.
A combinação entre os efeitos da guerra comercial de Donald Trump, problemas fiscais em países europeus e tensões geopolíticas tem contribuído para a perda de dinamismo da atividade mundial.
Embora os números de crescimento ainda sejam, de forma geral, bons, a desaceleração tem sido mais rápida que o previsto. Depois de elevar, em abril, suas projeções para o crescimento global, tanto em 2018 quanto em 2019, de 3,7% para 3,9%, o FMI (Fundo Monetário Internacional) fez o reajuste contrário em outubro.
Números dos fluxos comerciais entre países também revelam forte perda de fôlego.
"Analistas subestimaram o tamanho do choque negativo da guerra comercial. Os efeitos têm sido bem mais pronunciados que o esperado", diz Estevão Scripilliti, economista do Bradesco.
A tendência, segundo ele, é que as projeções continuem a ser revisadas para baixo, mas a intensidade da desaceleração ainda é incerta.
Atualmente, os EUA são o principal motor da atividade mundial. A economia americana é a única, entre as grandes avançadas, que deverá ainda registrar aceleração em 2018.
Embora a expansão da China permaneça vistosa para padrões latino-americanos, os efeitos das medidas protecionistas adotadas pelos EUA já começam a afetar o país asiático. A indústria chinesa dá sinais de desgaste há três meses.
Na União Europa, a aprovação de um Orçamento expansionista pela Itália reacendeu tensões no bloco, que lida ainda com o "brexit.
Se por um lado o crescimento americano contribuiu para o prolongamento do dinamismo global, por outro gerou efeitos colaterais negativos em nações emergentes com desequilíbrios em suas contas externas, como Argentina, Turquia e Paquistão.
A alta dos juros nos EUA para evitar um aquecimento excessivo e inflacionário tornou os investimentos em renda fixa no país mais rentáveis, atraindo recursos aplicados em países em desenvolvimento.
Até agora, os efeitos do contexto externo mais adverso sobre o Brasil foram moderados.
"O país se beneficiou com o aumento da exportação agrícola para a China", diz Wood.
Mas o país sentiu o impacto negativo da crise na Argentina, um dos principais importadores de carros produzidos no Brasil. E, segundo analistas, tende a sofrer com um possível agravamento da desaceleração global.
Um dos principais riscos externos é que a economia americana acabe sendo afetada pelo efeito negativo da guerra comercial, com queda mais significativa, por exemplo, de suas exportações.
Outro temor é que a economia chinesa sofra desaceleração brusca como consequência de problemas que o governo tem tentado reduzir gradualmente, como o excesso de alavancagem empresarial.
"Alguns dos riscos à economia global não são novos, mas tendem a ficar submersos quando tudo caminha bem. Quando vem uma desaceleração, eles voltam a causar maior preocupação", diz Scripilliti.
Nesse contexto, o desafio do novo governo, segundo especialistas, é tentar promover rapidamente as reformas que mantenham o otimismo.
"Uma economia global mais fraca sempre atrapalha, mas o Brasil tem a chance de manter perspectivas positivas dependendo do progresso na agenda de reformas", diz Scripilliti.
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