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A economia mundial está a caminho de uma recessão?

Perspectivas se deterioram em função do surto de Covid na China, juros nos EUA e crise no custo de vida na Europa

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Chris Giles
Londres | Financial Times

Se Liev Tolstói estivesse escrevendo sobre as condições de negócio atuais, ele talvez apontasse que as economias felizes são todas iguais, mas cada economia infeliz o é à sua própria maneira.

As perspectivas de crescimento da China foram abaladas pelos lockdowns severos adotados pelo país em seu esforço para deter a variante ômicron da Covid-19; o Fed (Federal Reserve), banco central dos Estados Unidos, está correndo o risco de transformar um boom em crise; os domicílios europeus estão enfrentando uma crise persistente de custo de vida; e a situação é ainda pior em muitos países de mercado emergente mais pobres, onde crises de abastecimento alimentar e até mesmo ondas de fome parecem estar a caminho.

Esses quatro problemas diferentes mas complicados prejudicam a economia mundial em sua recuperação da pandemia, e não surpreende que o clima esteja se tornando mais sombrio.

Trabalhadores usando equipamentos de proteção individual em Pequim, China - Jade Gao - 24.mai.2022/AFP

De acordo com Robin Brooks, economista chefe do Instituto de Finanças Internacionais, a confluência entre esses choques indica que a economia mundial já enfrenta problemas. "Estamos vivendo mais um período de medo de recessão, exceto que desta vez acho que o risco é real", ele disse.

Os mercados financeiros se apavoraram. O índice MSCI de ações internacionais caiu em mais de 1,5% na semana passada, mais de 5% em maio e mais de 18% desde seu pico no começo de janeiro. Dhaval Joshi, estrategista chefe da BCA Research, ressalta que, além do momento complicado para as ações, houve ondas de venda de títulos, de títulos protegidos por correção monetária, de metais industriais, de ouro e de ativos no mercado de criptomoedas.

"A última vez que as estrelas se alinharam para criar um momento de ‘venda de absolutamente tudo’ foi no começo de 1981, quando o Fed, comandado por Paul Volcker, derrotou a inflação e transformou a estagflação em recessão escancarada", disse Joshi.

Definir o que é uma recessão mundial não é tarefa fácil. Para países individuais, os economistas definem uma "recessão técnica" como dois trimestres consecutivos de contração no PIB (Produto Interno Bruto). O Financial Times prefere uma definição mais flexível, assim como os Estados Unidos, onde o Serviço Nacional de Pesquisa Econômica define recessão como "um declínio significativo na atividade econômica que atinja toda a economia e dure mais do que alguns poucos meses".

Em escala mundial, as definições se tornam ainda mais difíceis. O FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial preferem caracterizar uma recessão mundial como um ano no qual o cidadão médio do planeta experimente queda de renda real. As duas instituições apontam 1975, 1982, 1991, 2009 e 2020 como as datas das cinco últimas recessões mundiais.

Embora a previsão oficial de crescimento para 2022 continue a estar bem distante dessa definição –em abril o FMI previa crescimento de 3,6% este ano—, o número projetado se relaciona tanto à recuperação no segundo semestre de 2021 quanto às expectativas para 2022. Com relação às expectativas diretas de crescimento durante 2022, o FMI já reduziu sua projeção de 4,5% em outubro do ano passado para 2,5% em abril.

Brooks calcula que as notícias surgidas desde que essa projeção foi divulgada foram ruins o bastante para causar queda da projeção de crescimento a apenas 0,5% durante 2022, menos do que o crescimento previsto na população mundial. "O crescente risco mundial de recessão é a principal preocupação dos mercados, e isso tem repercussões importantes sobre a psicologia dos investidores", disse Brooks.

A China é a grande economia que preocupa a maioria dos economistas e a semana passada viu novos dados que reforçam essas preocupações quanto às suas perspectivas. Respondendo por 19% do produto bruto mundial, a China hoje é tão grande que, quando o país pega Covid, o resto do mundo não tem como ignorar seus problemas, especialmente por conta de seu impacto sobre as cadeias mundiais de suprimento e de sua demanda por bens e serviços de outros países.

Há desgastes severos que se tornam cada vez mais aparentes. Com lockdowns se espalhando pelo país, navios fazem fila na entrada dos portos chineses e a indústria do país e seu setor de varejo começaram a se contrair. As vendas do varejo caíram em 11% em abril, ante o mesmo mês em 2021, e a produção industrial caiu em 3%. As vendas no mercado interno chinês também caíram mais no mês passado do que no começo de 2020, quando a economia da China entrou em reversão, apesar de o banco central ter afrouxado a política monetária a fim de encorajar captação e gastos. O desemprego está em alta.

Kevin Xie, economista sênior do Commonwealth Bank of Australia para o mercado asiático, diz que os dados econômicos da China em abril foram decepcionantes em todos os campos. Ainda que a perspectiva dependa crucialmente da difusão da Covid, ele acrescenta que "a queda no emprego e o enfraquecimento da confiança entre as empresas e nos domicílios restringirá os gastos e são um mau presságio para o crescimento econômico".

Nos Estados Unidos, a outra grande potência do planeta, a economia está sofrendo com o legado da pandemia e, especialmente, por conta do estímulo fiscal excessivo que pode ter aquecido demais a economia e gerado inflação alta apesar dos aumentos modestos nos preços da energia. Além disso, o mercado de trabalho está aquecido, e o Fed se viu forçado a admitir um erro e agora ingressou claramente na fase de aperto da política monetária, a fim de desacelerar o crescimento e reduzir a inflação.

Jay Powell, o chairman do Fed, se expressou com clareza cristalina esta semana ao anunciar que o banco central continuaria a elevar as taxas de juros até ver provas "claras e convincentes" de que a inflação estava retornando à sua meta de perto de 2% anuais. Ele não estava preocupado com uma "alta ligeira" do desemprego, ante seu piso atual de apenas 3,6%.

Powell acrescentou que seu objetivo era uma aterrissagem suave para a economia, mas muita gente nos mercados financeiros acredita que isso possa ser difícil de conseguir. Krishna Guha, vice-presidente da Evercore ISI, alerta que o risco de que a retórica dura das autoridades monetárias, economistas e participantes do mercado agrave a situação e ajude a gerar uma recessão.

"Afirmar que uma aterrissagem mais ou menos suave é possível não equivale a dizer que ela é inevitável ou mesmo razoavelmente provável", diz Guha. Embora ele não esteja prevendo uma recessão nos Estados Unidos, diz Guha, "tomar o controle da inflação sem recessão e sem um aumento grande no desemprego... será um desafio".

Do outro lado do Atlântico, o problema igualmente difícil da Europa é diferente. Excetuado o Reino Unido, a inflação está sendo causada em quase toda parte pelos preços de energia mais altos e não por uma economia superaquecida, e suas origens podem ser traçadas diretamente à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Infelizmente para a União Europeia, compreender a causa dos problemas da Europa não torna suas consequências menos graves. Com inflação anualizada de 7,4% em abril, os preços da zona do euro estão crescendo muito mais rápido do que a renda de seus cidadãos, o que abala os padrões de vida e limitará o consumo e a recuperação da pandemia. Novas previsões da Comissão Europeia divulgadas esta semana trouxeram números muito reduzidos e implicam que haverá estagnação no segundo trimestre de 2022.

A Comissão espera que a economia supere esse período difícil e volte a um crescimento razoável de cerca de meio ponto percentual por trimestre, a partir do trimestre que vem, mas muitos economistas do setor privado acreditam que os efeitos sobre a renda pessoal serão mais duradouros. Christian Schulz, economista do Citigroup, diz que as projeções oficiais parecem ser otimistas demais e que é mais provável que o crescimento "seja virtualmente zero pelo resto do ano".

Se a dificuldade da Europa é se ajustar a preços muito mais altos para a energia, em países muito mais pobres a tarefa, ainda mais difícil, é a de lidar com a rápida alta nos preços dos alimentos, que respondem por mais de 30% do consumo nas economias emergentes.

Com os portos do Mar Negro, usados pela Ucrânia para exportar grãos, fechados, o medo de uma crise alimentícia ainda este ano está crescendo. António Guterres, secretário geral da ONU, declarou na quarta-feira que o conflito na Ucrânia, que veio a se somar a pressões existentes sobre os preços dos alimentos, "ameaça lançar dezenas de milhões de pessoas à insegurança alimentar, escassez maciça de alimentos e ondas de fome".

O Sri Lanka, que enfrenta outras crises políticas e econômicas, serve como exemplo das escolhas difíceis que muitos dos países mais pobres do planeta enfrentam. Seu governo decidiu esta semana por um calote na dívida externa do país, o primeiro de sua história. As autoridades afirmaram que isso era necessário porque precisam de suas reservas em moeda forte para importar comida, combustível e remédios.

A Índia, enquanto isso, intensificou os problemas das demais economias emergentes ao abandonar sua promessa de não proibir exportações de grãos, esta semana. Os preços do trigo voltaram a subir, e sua alta já atinge mais de 60% este ano.

Naturalmente, à medida que crescem os riscos de recessão, a melhor notícia para a economia mundial seria uma retirada russa da Ucrânia e o fim da estratégia chinesa de Covid zero. Não é algo que os ministros da Economia e autoridades econômicas de outros países possam decretar, e por isso eles uma vez mais terão de fazer a sintonia fina de suas respostas às situações difíceis que enfrentam.

Na Europa e nas economias emergentes, isso envolveria aliviar as consequências da alta dos preços da comida e energia –com aumentos nos benefícios e subsídios para a comida e energia em países que tenham finanças públicas fortes o bastante para isso. Os Estados Unidos e o Reino Unido podem acelerar o ciclo de aperto a política monetária, e a China buscará limitar os efeitos negativos da onda da variante ômicron no país.

A posição da maioria dos economistas é de que a defesa contra a recessão mundial sairá vitoriosa em 2022, apesar de tudo. Mas eles começam a fazer apostas mais cautelosas, diante das más notícias ininterruptas.

Innes McFee, economista chefe internacional da Oxford Economics, diz que há pouca dúvida de que a expansão econômica mundial está perto do pico, que ela está se desacelerando e que as autoridades terão de calcular a dose de aperto necessária. Mas, ele diz, uma recessão continua improvável, por enquanto, porque as autoridades ainda dispõem de ferramentas para oferecer apoio e estimular a economia se as coisas se agravarem.

"Os riscos de recessão serão maiores no ano que vem, mas não são grandes neste momento", disse McFee.

Tradução de Paulo Migliacci

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