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Mercado financeiro vê 'barreira antiesquerda' em resultado das urnas

Para gestores, Congresso mais conservador vai barrar reformas de esquerda, e isso favorece investidores

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São Paulo

Agentes do mercado financeiro receberam de maneira bastante positiva o que chamam de "recado das urnas" no primeiro turno das eleições neste domingo (2).

Além de uma distância menor que a apontada pelas pesquisas entre os dois principais postulantes à Presidência, eles festejaram a tendência mais conservadora ou centrista do novo Congresso e dos governos estaduais a partir de 2023.

Para eles, isso indica que o eleitor aponta para um trajeto mais ao centro, o que reforça a perspectiva de continuidade de uma política mais liberal —com mais liberdade de mercado— e favorece uma estabilidade maior na economia.

"Até para se ter governabilidade, é difícil com essa composição do Congresso imaginar um Executivo sem responsabilidade fiscal ou com pautas populistas de esquerda, que é o que mais preocupa o mercado", diz Luis Felipe Amaral, sócio fundador e gestor da Equitas.

Montagem com as imagens de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL)
Montagem com as imagens de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) - Nelson Almeida e Evaristo Sa/AFP

"O grande destaque da eleição, que explica a reação do mercado, foi a composição do Congresso mais para a centro-direita, que torna improvável a aprovação de pautas econômicas à esquerda, como, por exemplo, revogar a reforma trabalhista. Assim, seja quem for o presidente, não devemos ter uma guinada econômica", endossa Luiz Fernando Alves, gestor da Versa Fundos de Investimento.

Como reflexo da votação, os mercados apresentam um desempenho bastante positivo nesta segunda-feira (3), com uma queda de 4% do dólar —a maior desde junho de 2018— e uma valorização de 5,5% do Ibovespa —a maior desde abril de 2020.

CEO da gestora Mauá Capital e ex-diretor do BC (Banco Central), Luiz Fernando Figueiredo diz que os resultados das urnas indicaram que o bolsonarismo ganhou um espaço que as pesquisas de intenção de votos não previam no Congresso (tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado) e nos governos estaduais.

"Isso tem um significado muito importante, quase mais forte até que a diferença de votos entre o Bolsonaro e o Lula muito menor do que o esperado, embora esse seja um segundo elemento também muito importante", diz Figueiredo.

Em resumo, diz o CEO da Mauá, tanto Lula quanto Bolsonaro devem adotar durante a campanha para o segundo turno um discurso mais voltado ao centro, uma vez que foi essa a direção da votação no país.

Além disso, o resultado apertado na disputa pela Presidência pode levar o candidato petista a ser mais claro a respeito da política econômica que pretende adotar em seu governo, afirma Figueiredo.

"Essa perspectiva reduz muito a chance de radicalismo de lado a lado, o que é uma coisa muito boa para o país. E, corretamente, os mercados estão reagindo muito bem", diz o ex-BC, acrescentando que o desempenho positivo das Bolsas no exterior também contribui para a forte alta das ações no Brasil e para a queda do dólar.

Na mesma linha, o sócio fundador da gestora Adam Capital, André Salgado, diz que o relacionamento de Bolsonaro com o Congresso deve melhorar em caso de reeleição, tendo em vista o tamanho da bancada de direita e centro-direita a partir de 2023.

Em caso de vitória de Lula, as urnas mostram um conservadorismo persistente, que fará o petista se posicionar mais ao centro, acrescenta Salgado. "Vejo os resultados com o otimismo."

"O Lula chegou à frente de Bolsonaro no primeiro turno, só que a vitória teve um gosto de derrota", diz André Gordon, sócio fundador e gestor da GTI Administração de Recursos.

Enquanto o partido de Bolsonaro adotou uma bem-sucedida estratégia de formar uma ampla base de apoio no Congresso, o PT trabalhou por liquidar a fatura no primeiro turno e fracassou, avalia Gordon.

"Para mim não foi surpresa. Estava me amparando mais no Paraná Pesquisas, que teve um grau de acerto maior", afirma o gestor da GTI.

A Folha mostrou que o Instituto Paraná Pesquisas recebeu no período de pré-campanha eleitoral R$ 2,7 milhões do PL, partido de Bolsonaro. Em nota, o instituto disse que "trabalha para diversos partidos políticos, não só para o PL", e que "todas as pesquisas são realizadas e entregues de acordo com contratos firmados com os partidos contratantes".

Gordon observa que o número maior de votos para Tarcísio de Freitas, do Republicanos, que superou na reta final o petista Fernando Haddad na disputa pelo governo de São Paulo, fez as ações da Sabesp disparem na Bolsa nesta segunda.

Os papéis da empresa de saneamento avançaram 17% nesta segunda, com os investidores apostando em um processo de privatização em caso de vitória do candidato apoiado por Bolsonaro no estado.

Segundo Gordon, além de ver com bons olhos um governo mais liberal e com apoio no Congresso, se Bolsonaro for reeleito, a passagem para o segundo turno também melhora as expectativas de um eventual governo petista.

"Caso o Lula ganhe, certamente vai precisar ir em direção ao centro, com o mercado cogitando nomes mais pró-mercado na Economia, como o [ex-presidente do Banco Central Henrique] Meirelles."

Consultoria global vê vitória de Bolsonaro como pior cenário possível para os mercados

A consultoria econômica britânica Oxford Economics aponta que a vitória de Bolsonaro no segundo turno seria o pior cenário possível para os mercados.

"Seu maior apoio no Congresso poderia permitir que ele demitisse juízes da Suprema Corte, deixando-o livre para dissolver o Congresso e suspender eleições livres, se assim o desejar", diz o relatório assinado por Marcos Casarin, economista-chefe para América Latina da consultoria.

Casarin escreve ainda que a vitória de Lula e a combinação de um "líder carismático e progressista com um Congresso conservador está próximo do melhor cenário para os mercados", ao reduzir o risco de adoção de políticas econômicas radicais.

Ainda segundo o especialista da Oxford Economics, o "surpreendente" aumento do apoio a Bolsonaro no Congresso deixará Lula sem opção a não ser tentar formar uma ampla coalizão anti-Bolsonaro e pró-democracia.

"Isso significa que, se Lula conseguir sustentar ou ampliar sua liderança e vencer o segundo turno, seu mandato de governo terá que incluir membros de outros partidos políticos fora do PT, o que deve ser positivo para os preços dos ativos."

Para os analistas do JP Morgan, será importante monitorar a partir de agora se Bolsonaro conseguirá subir nas pesquisas, impulsionado pelo forte resultado apresentado no primeiro turno.

Eles lembram que as próximas pesquisas estão previstas para serem publicadas na sexta-feira (7), pelos institutos Datafolha e Paraná Pesquisas.

No caso do petista, a equipe do banco norte-americano acrescentou ainda que o desfecho da véspera torna crucial o ex-presidente apresentar seu plano macroeconômico, talvez até dando uma visão mais firme sobre quem será seu ministro da Fazenda. Bolsonaro já indicou que Paulo Guedes seguirá na Economia.

O JP Morgan também avalia que o bom resultado de aliados do presidente a nível estadual fortalece a campanha do incumbente, indicando a possibilidade de uma migração maior de votos para ele. Ainda assim, o relatório faz a ressalva de que "não há muitos votos para conquistar", destacando que o segundo turno deve ser "muito combativo".

Em relatório, os estrategistas do banco holandês Rabobank afirmam que, com a ida da eleição para o segundo turno, o cenário de que o vencedor adote políticas pró-mercado se torna mais provável.

Para o grupo suíço Julius Baer, os ativos brasileiros devem ter desempenho muito positivo no curto prazo, em meio a maiores chances de vitória de Bolsonaro ou de uma antecipação do deslocamento do ex-presidente Lula para o centro político, na tentativa de atrair os votos dados a Simone Tebet (MDB), com 4,2% dos votos válidos, e Ciro Gomes (PDT), com 3,1%.

A instituição, no entanto, afirma manter uma visão neutra até reunir mais sinais de moderação do favorito, o ex-presidente petista. A sinalização de que haverá um ministro da Fazenda amigável ao mercado, por exemplo, seria indicação de um governo fiscalmente responsável.

Para a agência de classificação de risco Moody's, independentemente de quem vencer as eleições para presidente, a manutenção da credibilidade do quadro fiscal no próximo ano será essencial para apoiar o perfil de crédito soberano do país.

A disputa acirrada pela Presidência e a formação do Congresso para 2023 deixou "claro que o próximo governo continuará a lidar com um Congresso muito fragmentado para avançar com uma agenda de reformas das políticas públicas", disse a vice-presidente e analista sênior da Moody's, Samar Maziad, em nota.

Ela acrescentou que a retomada de uma agenda de reformas estruturais no país será fundamental para apoiar um crescimento maior no médio prazo e facilitar os esforços de consolidação fiscal, especialmente em um contexto de juros elevados no país.

Colaborou Eduardo Cucolo. Com Reuters.

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