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Quanto dinheiro realmente o deixará feliz?

Todos nós podemos fantasiar sobre o que precisamos para nos satisfazer (e não precisa ser uma fortuna)

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Tim Harford

Colunista no Financial Times

Financial Times

Quando eu era estudante, um amigo meu fantasiava ganhar 100 libras por dia. Parecia uma quantia incompreensivelmente grande; ele simplesmente não conseguia imaginar gastar o suficiente para esgotar tal riqueza. Isso foi há quase 30 anos –a fantasia equivalente hoje seria mais de 200 libras por dia (cerca de R$ 1.200).

Meu amigo, que morava com os pais, era ao mesmo tempo ingênuo e sábio. Sua renda dos sonhos é cerca de duas vezes o salário médio do Reino Unido, várias vezes a média global e cerca de cem vezes mais que a linha de pobreza global. De quanto uma pessoa realmente precisa?

Economistas ofereceram várias respostas ao longo dos anos. Em seu famoso ensaio "Possibilidades Econômicas para Nossos Netos", John Maynard Keynes argumentou que se a renda aumentasse oito vezes em relação aos níveis de 1930 "o problema econômico pode ser resolvido, ou pelo menos estar à vista de uma solução."

Os rendimentos aumentaram tanto quanto ele previa, mas nenhuma solução está à vista. Isso pode ser porque, como também observou Keynes, há um desejo insaciável por necessidades que nos fazem "sentir-nos superiores a ... nossos semelhantes."

Cédulas de real - Gabriel Cabral - 21.fev.2019/Folhapress

O que é melhor: ter US$ 10 milhões ou US$ 100 bilhões?

Há pouco mais de uma década, Daniel Kahneman e Angus Deaton, ambos vencedores do Prêmio Nobel de Economia, descobriram que US$ 75 mil por ano (mais de US$ 100 mil hoje, ou R$ 540 mil –aproximadamente a renda dos sonhos do meu amigo) eram suficientes para otimizar as experiências do dia a dia. Mais dinheiro que isso não adiantaria para reduzir o tempo em que as pessoas se sentiam ansiosas, estressadas ou tristes.

No entanto, há outra medida de felicidade: as pessoas avaliam suas vidas como satisfatórias? Por essa definição, Deaton e Kahneman não encontraram limites para os usos do dinheiro: a renda extra, em qualquer nível, estava correlacionada a níveis mais altos de satisfação com a vida.

Mais recentemente, os psicólogos Paul Bain e Renata Bongiorno mudaram o foco: em vez de perguntar quanto dinheiro era suficiente, eles convidaram os participantes de uma pesquisa a imaginar uma vida absolutamente ideal.

Então eles perguntaram quanto dinheiro seria necessário para alcançar essa vida, se viesse na forma de um prêmio na loteria. Esses prêmios de loteria variavam de US$ 10 mil (para aqueles cuja vida absolutamente ideal envolve trocar cortinas e estofados) a US$ 100 bilhões (para aqueles cuja vida absolutamente ideal envolve muito drama sobre a compra do Twitter).

A maioria das pessoas, no entanto, não preferia o prêmio principal. Um prêmio de loteria de US$ 10 milhões (cerca de R$ 54 milhões) foi uma escolha popular.

Por quê? Uma possibilidade é que ninguém tenha a menor ideia de como responder à pergunta da pesquisa, e US$ 10 milhões foi a resposta central, mil vezes mais que o mínimo e mil vezes menos que o máximo.

Outra é que as pessoas são tão ingênuas quanto meu amigo. Elas não percebem que depois de comprar uma casa melhor e um carro melhor, pagar suas dívidas e montar uma ampla aposentadoria elas descobririam que poderiam realmente usar mais alguns milhões de dólares.

Uma vida sem desafios –e de relacionamentos transformados

O escritor Malcolm Gladwell tem outra teoria. Como convidado do podcast "No Such Thing As A Fish", Gladwell argumentou que o problema de US$ 100 bilhões é que você tem escolhas ilimitadas. Decisões simples (embalar um almoço ou comprar um sanduíche?) tornam-se impossivelmente complexas (jantar em Paris ou em Copenhague, ou apenas pedir ao meu chef pessoal para preparar algo no meu avião?). A vida é cognitivamente avassaladora.

Outro problema, diz Gladwell, é que todo o desafio é removido da vida. Você gosta de colecionar selos, ou chaveiros, ou Beanie Babies? Esqueça! Você pode comprar todos eles, e antes daquele almoço em Copenhague, se desejar.

O verdadeiro problema é que ser multibilionário mudaria seu relacionamento com qualquer outro ser humano.

Minha própria opinião é um pouco diferente. Não quero US$ 100 bilhões, mas a sobrecarga cognitiva não é o problema. Tenho quase certeza de que os bilionários não ficam sobrecarregados com a perspectiva do almoço. E embora os projetos sejam importantes eles também são escaláveis.

Se você gosta de colecionar chaveiros, mude para colecionar obras de arte: mesmo com US$ 100 bilhões para gastar, o projeto de fundar o maior museu privado do mundo provavelmente avançará.

O verdadeiro problema é que ser multibilionário mudaria seu relacionamento com qualquer outro ser humano. Keynes sabia que muitas vezes desejamos nos sentir um pouco "superiores aos nossos semelhantes", mas quando a superioridade se torna extrema você se torna alvo de sequestradores, terroristas, fraudadores e garimpeiros de todo tipo. Poucos de seus relacionamentos provavelmente sobreviverão.

Você pode realmente confiar nos que sobreviverem?

Dinheiro compra absolutamente tudo?

Bain e Buongiorno, os pesquisadores que descobriram que as pessoas preferem ter US$ 10 milhões a US$ 100 bilhões, argumentam que seu resultado oferece esperança para o desenvolvimento sustentável, porque sugere que as pessoas não têm necessidades materiais ilimitadas. Talvez.

Eu tiro uma conclusão diferente. As pessoas mais ricas das sociedades passadas tinham necessidades materiais que não podiam satisfazer, mas que nós podemos: ar condicionado, viagens aéreas, antibióticos... Nossos descendentes podem ter necessidades materiais nas quais raramente pensamos porque estão além do nosso alcance, do teletransporte à eterna juventude.

A melhor esperança para o desenvolvimento sustentável não é deixarmos de desejar coisas que atualmente não podemos ter. É que a maior parte do que valorizamos não é uma questão de dinheiro.

Meu amigo, com suas fantasias de ganhar 100 libras por dia, gostava de beber cerveja e ouvir música com a turma. Era um estilo de vida convivial. Em contraste, a vida com US$ 100 bilhões deve ser terrivelmente solitária.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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