Descrição de chapéu Folhajus inflação

Justiça autoriza busca e apreensão de computadores na Americanas para apurar fraude

Tribunal acata pedido do Bradesco, que lidera ofensiva de bancos contra acionistas de referência da varejista; OUTRO LADO: trio de bilionários afirma desconhecimento de falhas

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Brasília

A Justiça de São Paulo acatou o pedido do Bradesco e autorizou perícia na Americanas como forma de obtenção de provas para que o banco consiga atestar se houve fraude na gestão da gigante do varejo, que entrou em recuperação judicial com uma dívida de R$ 43 bilhões. Cabe recurso da decisão.

A estratégia dos bancos foi revelada pela Folha nesta quarta (25).

Na decisão proferida nesta quinta (26), a juíza Andréa Galhardo Palma, da 2a Vara Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, nomeia a Ernest & Young para acompanhar a diligência. A advogada Patrícia Punder fará a perícia investigativa.

A equipe poderá fazer busca e apreensão nos computadores da Americanas para obtenção de todas as caixas de email institucional dos diretores, integrantes do Conselho de Administração e do Comitê de Auditoria, dos funcionários da área de contabilidade e de finanças —tanto dos atuais quanto daqueles que ocuparam esses cargos nos últimos dez anos.

O trio de bilionários da 3G Capital, Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles - 31.dez.2021-Divulgação

A Americanas mergulhou em uma crise após a divulgação de "inconsistências contábeis" de R$ 20 bilhões.

Os bancos suspeitam de fraude e deram início a uma ofensiva que mira os acionistas de referência da empresa –o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. Eles afirmaram recentemente desconhecimento das falhas contábeis e se disseram vítimas, como os demais acionistas e credores.

A investida liderada por Bradesco, representado pelo escritório Warde Advogados, conta ainda com outras ações de produção de provas movidas pelo Safra e pelo Santander. Ambos aguardam decisão.

Com isso, os bancos querem atestar que houve fraude na gestão da gigante do varejo, o que abriria caminho para a cobrança de dívidas dos três bilionários, de demais acionistas e até de administradores.

Esse caminho judicial é possível por meio da desconsideração da personalidade jurídica —mecanismo excepcional, previsto em lei, que consiste em ignorar a autonomia patrimonial da empresa, em caso de condutas abusivas ou fraudulentas, para que seus acionistas paguem por prejuízos com os próprios bens.

A ofensiva foi definida pelos bancos frente à recente estratégia da companhia de apontar suposta conivência das instituições financeiras com o caso as "pedaladas contábeis" que estão na raiz da crise da varejista.

Centrais e confederações sindicais também recorreram à Justiça. Nesta quarta (25), elas ajuizaram uma ação civil pública pedindo o bloqueio de R$ 1,53 bilhão da conta pessoal dos acionistas de referência da Americanas como forma de garantir que as ações trabalhistas em curso contra a varejista serão pagas.

A exemplo do que os bancos fizeram nesta semana, o pedido visa desconsiderar a personalidade jurídica da Americanas, responsabilizando diretamente o trio pelo escândalo contábil.

Ao propor desconsiderar a personalidade jurídica da Americanas, a ação civil argumenta que o escândalo contábil trata-se de uma fraude que inflou artificialmente o lucro da empresa e os dividendos distribuídos aos acionistas, sendo o trio de bilionários o maior beneficiário.

"Assim, seja por dolo, ou subsidiariamente por culpa, devem responder solidariamente pelos danos trabalhistas decorrentes da fraude contábil narrada nesta ação", diz o documento.

Nesta quarta, a Americanas entregou sua lista de credores à 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, com débitos no valor de R$ 41,2 bilhões, devidos a 7.967 credores.

Relembre a origem de grandes recuperações judiciais

  • Americanas (R$ 43 bilhões)

    Crise financeira após revelar ter escondido dívidas equivalentes a R$ 20 bilhões em seu balanço

  • Odebrecht (R$ 80 bilhões)

    Crise de imagem por causa das investigações da Lava Jato e condenações de executivos

  • Oi (R$ 65 bilhões)

    Crise de mercado agravada após a fusão com a Portugal Telecom

  • Samarco (R$ 55 bilhões)

    Crise gerada após a tragédia ambiental em Mariana (MG), que desencadeou indenizações milionárias e problemas de imagem

  • OGX (R$ 12,3 bilhões)

    Problemas financeiros após frustração com reservas de petróleo não encontradas

Do total, R$ 41 bilhões são devidos à classe quirografários (crédito sem garantia), R$ 109,5 milhões à classe de microempresas e empresas de pequeno porte, e R$ 64,8 milhões se referem à classe trabalhista. A empresa identificou nominalmente todos os seus credores.

As maiores dívidas são com bancos. No topo da lista está o alemão Deutsche Bank, no valor de US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões) —o que surpreendeu o mercado. Neste caso, o banco afirma que não tem crédito concedido à Americanas. O valor refere-se a títulos emitidos pela varejista no exterior, que estão sob a custódia da instituição financeira.

No caso das operações de crédito tradicionais, o maior débito é com o Bradesco, no valor de R$ 4,5 bilhões. O Santander Brasil é credor de R$ 3,6 bilhões. Na sequência vêm BTG Pactual, com R$ 3,5 bilhões, BV (Votorantim), com R$ 3,3 bilhões, Itaú Unibanco, com R$ 2,7 bilhões, Safra, com R$ 2,5 bilhões, e Banco do Brasil, com R$ 1,36 bilhão.

Outros bancos públicos também estão na lista de credores da Americanas, com as maiores dívidas detidas por Caixa Econômica Federal, com R$ 501,4 milhões, e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), com R$ 276 milhões.

Entenda: o que os bancos defendem

Em seu comunicado ao mercado, quando o escândalo veio à tona, a Americanas informou "inconsistências contábeis" encontradas em seus balanços, referentes a essas operações de risco sacado, também chamadas de forfait.

Os bancos consideram que as referidas "inconsistências" foram resultado de fraudes contábeis. A suposição tem respaldo na informação dada pela própria companhia ao mercado de que mantinha somente R$ 5 bilhões em operações com fornecedores.

A empresa informou ainda manter uma "conta redutora de fornecedor". Na avaliação dos bancos, essa conta pode ter sido o instrumento gerador da fraude.

Para eles, a Americanas teria se aproveitado indevidamente dos juros cobrados pelos bancos dos fornecedores (na antecipação do pagamento) e lançado posteriormente na "conta redutora" esse juro como desconto concedido pelo fornecedor no valor de aquisição das mercadorias.

Para os bancos, a empresa manteve fora do balanço R$ 20 bilhões em dívidas que, agora, foram incorporados. Caso essa suspeita seja confirmada por perícia autorizada pela Justiça, eles poderão ter provas de que houve fraude —o que abre caminho para que peçam ressarcimento diretamente do trio de bilionários fundadores da empresa, hoje acionistas de referência, com 31% de participação.

No último domingo (22), Lemann, Sicupira e Telles divulgaram um comunicado em que afirmam desconhecimento sobre as falhas contábeis. Disseram-se vítimas, como os demais acionistas da empresa, e se comprometeram com o processo de recuperação da Americanas.

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