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25/03/2012 - 07h00

Jornalista ocidental que se encontrou com Kony descreve rebelde

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FÁBIO ZANINI
EDITOR DE MUNDO

Joseph Kony, o rebelde de Uganda que virou celebridade global após um vídeo denunciando seus crimes cair na internet, é a um só tempo dono de uma aura sinistra e de uma voz hipnotizante.

A descrição é de Matthew Green, um dos pouquíssimos jornalistas ocidentais a ter encontrado o misterioso líder do Exército de Resistência do Senhor, que já teve 5.000 combatentes e hoje está reduzido a algumas centenas.

Numa clareira no leste do Congo, em 2006, Kony surgiu cercado por crianças soldado, relembra Green, hoje jornalista do ªFinancial Timesº e autor de ªThe Wizard of the Nileº (o mago do Nilo), sobre a rebelião iniciada por Kony há 25 anos, com saldo de 30 mil mortos.

*

Folha - O que o sr. achou do vídeo?

Matthew Green - Não é um vídeo que objetiva a objetividade jornalística. O filme vem sendo criticado em Uganda porque parece insinuar que a guerra continua lá, mas Kony deixou Uganda em 2005 e a região norte do país está mais ou menos em paz já há algum tempo. Em alguns aspectos há um ponto de interrogação sobre se mostra o cenário de forma exata. Mas é verdade também que os produtores não fizeram um documentário. Fizeram essencialmente propaganda, destinado a chamar a atenção para um assunto. E não importa se no Congo, República Centro-Africana ou Uganda, a realidade é que Joseph Kony ainda está cometendo atrocidades. Este filme foi muito bem-sucedido em iniciar um debate global sobre o que sempre foi um conflito esquecido.

O sr. ficou surpreso com a repercussão?

Sim. Ele não é uma pessoa conhecida no mundo e de repente virou um fenômeno global. Eu sigo esse conflito desde 2005 e fiquei surpreso de ver quanto de interesse existe agora. É incrível que um grupo de ativistas tenha sequestrado a agenda de notícias global.

Por que o sr. decidiu estudar Kony?

Eu era um repórter da Reuters em Nairóbi [Quênia] em 2001 e ouvi falar dele. Mas foi apenas em 2005 que eu comecei a procurá-lo e finalmente encontrei-me com ele em uma clareira no leste do Congo em 2006. Foi uma longa jornada e tive muita sorte.

O que o atraiu na história dele?

Acho que foi o fato de ele ser um mistério. Por muitos anos esse homem estava na floresta, promovendo uma rebelião, um tipo estranho de guerra, conversando com espíritos e sequestrando crianças. Parecia um mistério para mim como esse homem podia estar lutando havia tanto tempo. E como esse homem conseguia manter tanta gente refém por tanto tempo.

O que levou ao conflito? Questões sociais, econômicas e étnicas ou apenas a loucura de um homem?

É mais complicado do que apenas a loucura de um homem. Durante muitos anos, os acholi do norte de Uganda se sentiram marginalizados pelo governo central em Campala. Esse sentido de alienação levou o conflito a durar tanto tempo.

Kony é popular na região ou é detestado?

Quando ele começou em 1987 ele era um revolucionário, que tinha apoio da população. As pessoas tinham medo de que os acholi fossem exterminados. Mas rapidamente, ele se virou contra as pessoas que ele prometia proteger e as punia por não o apoiar. Ele desenvolveu o conceito do novo acholi, uma nova raça que ele liderava e iria se impor. Começou a ter uma visão messiânica, totalmente irrealista. Era um tipo de ideologia que justificava ele cometer atrocidades em seu próprio povo.

Como foi seu encontro com ele?

Foi em 2006, na província de Ituri. Havia uma tentativa de começar conversas de paz, lideradas pelo governo do Sudão do Sul. Por algumas breves semanas, foi possível fazer contato com os rebeldes na selva. Foi a primeira vez em que houve acesso real a Joseph Kony. Junto com uma delegação de paz, consegui encontrá-lo.

E o que chamou sua atenção?

O que descobri é que existem essencialmente dois Joseph Konys. O homem que eu vi emergir da clareira, cercado de crianças soldados, parecia aterrorizado, na verdade. Ali ele estava fora de seu habitat normal. Mas depois o vi na selva, falando com seus soldados, parecia um orador cativante, uma pessoa que tinha carisma real, presença. E conseguia segurar uma plateia em suas mãos. Ele tem uma voz musical que consegue quase hipnotizar as pessoas. Era uma figura poderosa quando estava em seu reino, a floresta.

E como agiam as crianças?

Havia centenas de jovens cercando-o. Muitas eram crianças, ou jovens adolescentes. Mas há também adultos que lutam por ele. Todos em uniformes velhos, botas velhas, alguns com dreadlocks, outros com acessórios religiosos.

O sr. se sentiu temeroso ou intimidado?

Havia uma certa aura sinistra nele, certamente, mas não me senti em perigo porque ele estava lá para conversar. Claro, ele tinha seus seguidores ali e é uma pessoa imprevisível, então qualquer coisa podia acontecer. E ele passou muitos anos na selva, fez coisas terríveis.

O sr. conversou com ele?

Sim, trocamos um aperto de mãos. Tive chance de falar brevemente com ele. Eu lembro de suas palavras: ªsou um homem, sou um ser humano, sou Joseph Konyº. Disse em inglês, não muito fluente. No norte de Uganda ele é uma figura mítica, um monstro de conto de fadas. Mas ali ele queria ser visto como um ser humano normal.

E ele falou de paz?

Claro, negou todas as atrocidades. Mas claro que ele é um homem paranoico, e no fim as conversas fracassaram e ele desapareceu na floresta.

O sr. acha que ele está onde?

Não tenho informação, mas entendo que ele se move entre o leste do Congo e a República Centro-Africana.

Ele um dia será preso?

Acho que ele poderia ser preso. Penso que será difícil para os Exércitos da região capturá-lo. Por muito tempo havia falta de vontade política por parte dos militares de Uganda. A única maneira realista seria com envolvimento dos EUA, se decidissem que é do interesse deles prendê-lo. Não é impossível encontrar esse homem, com a tecnologia de monitoramento que existe hoje. Os americanos têm conselheiros militares na região. Claramente eles têm a capacidade de prender esse homem.

Ele ainda é um perigo no norte de Uganda?

Aparentemente ele se foi definitivamente do norte de Uganda. Mas ele é certamente um perigo no Congo e na República Centro-Africana.

Kony já esteve perto de se render, mas recuou pelo fato de ter sido indiciado pelo Tribunal Penal Internacional. Essa atitude do TPI atrapalhou?

É verdade que o TPI foi um fator complicador. Mas é muito simplista dizer que por causa do TPI as conversas fracassaram, porque outras já haviam fracassado antes. Certamente, Kony estava preocupado em ser preso.

Ainda é possível uma solução negociada ou a questão só será resolvida quando Kony for pego?

Não descarto negociações. Claro que será difícil, e Kony tem medo de ser preso. Isso o faz relutar em se engajar em conversas. Também há formas de o Conselho de Segurança da ONU suspender o indiciamento pelo TPI se isso for considerado algo nos interesses da paz.

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