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08/07/2012 - 03h26

Advogado israelense busca investigação de 'assassinato' de Gaddafi

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MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

A Líbia realizou ontem sua primeira eleição após a queda de Muammar Gaddafi buscando virar a página, mas as feridas continuam bem abertas. Incluindo para a família do ditador, morto em outubro de 2011.

O linchamento público e a humilhação gravadas em dezenas de celulares e reproduzidas pela internet para milhões representam um crime de guerra, alega Aisha, filha de Muammar Gaddafi.

Sob prisão domiciliar na Argélia, ela contratou um advogado de Israel, país que foi hostilizado pelo pai, para representá-la num pedido de investigação no Tribunal Penal Internacional (TPI).

Nascido em Liverpool (Reino Unido), Nick Kaufman, 44, mudou-se para Israel em 1993. O fato de ser judeu e israelense nunca foi um problema na interação com os filhos de Gaddafi, disse ele à Folha, vestindo jeans e camiseta em seu escritório em Jerusalém.

Um dos mais respeitados defensores no direito penal internacional, Kaufman tem um longo histórico de clientes acusados de crimes de guerra, da Bósnia a Ruanda.

Para ele, "é chocante que o assassinato de Muammar Gaddafi não tenha sido investigado". A Otan (aliança militar do Ocidente), que bombardeou o comboio de Muammar Gaddafi antes de sua morte, deveria ser um dos alvos da investigação de crimes de guerra, afirma.

Folha - Como Aisha Gaddafi chegou ao sr.?

Nick Kaufman - Começou com Saadi Gaddafi, um dos filhos de Muammar Gaddafi. Eu o representei quando ele fugiu da Líbia para o Níger. Ele precisava de um advogado com experiência em direito criminal internacional e chegou a mim por meio de um amigo do meu investigador de crimes de guerra. Eu disse: sem problema, represento qualquer um que precise. A grande questão era se ele concordaria que eu o representasse, sendo judeu e israelense. Mas isso nunca foi um problema.

Comecei a representar Saadi e isso me levou a representar também sua irmã, Aisha. O escopo dessa representação é bem limitado. Ela tem um pedido específico, que é a investigação no TPI do assassinato de seu pai e do seu irmão, Mutassim.

O pedido de Aisha no momento está pendente de decisão da corte. Ela entrou com um pedido para que a corte ordene a promotoria a revelar informações de sua investigação sobre o assassinato de Muammar Gaddafi. Especialmente diante do fato de que o promotor anterior disse acreditar que o assassinato de Gaddafi foi um crime de guerra em potencial. A Promotoria rejeitou, dizendo que, primeiro, Gaddafi não tinha nenhum status diante dos procedimentos da corte, e segundo, se a corte desse a ordem, estaria comprometendo o papel do promotor como o árbitro do que deve e não deve ser processado. E agora estamos esperando a decisão da corte.

Aisha quer indenização?

Não. O objetivo é que a justiça seja feita. Que as pessoas responsáveis pelo assassinato e seus patrocinadores prestem contas. A comissão internacional de inquérito, criada para investigar os eventos posteriores à queda do regime Gaddafi chegou à conclusão de que os assassinatos de Muammar e Mutassim Gaddafi exigem mais investigação. Essa comissão terminou o seu mandato e os dois únicos órgãos que tem jurisdição para conduzir uma investigação dessa natureza são a Líbia e o TPI. A Líbia obviamente não irá fazê-lo, já que aprovou recentemente uma lei dando anistia a pessoas que cometeram crimes em nome da revolução. Portanto, o único órgão capaz de investigar um crime desse é o TPI. Se o TPI não investiga, o assassinato ficará impune.

Qual o motivo da relutância da Promotoria em investigar?

É muito simples: eles já não consideram a situação na Líbia um assunto com o qual precisam lidar. A Promotoria afirmou que no caso de Saif al Islam [filho de Gaddafi que está preso na Líbia], há condições para que ele seja julgado na Líbia. Se é assim, o mesmo se aplica aos responsáveis pelo assassinato de Muammar Gaddafi. A Líbia tem hoje capacidade de realizar um julgamento justo?

Não, e você não precisa tomar minha palavra. Já houve um extenso histórico submetido à corte por grupos de vítimas e juristas. Ambos afirmaram que atualmente a Líbia não é capaz de realizar um julgamento justo. Por isso, o argumento é que Saif deveria ser julgado na Haia, não na Líbia.

Pelas imagens divulgadas, Mumammar Gaddafi foi vítima de linchamento no meio de uma guerra civil. É possível chegar aos culpados?

Não foi bem assim. O que aconteceu é que o seu comboio foi bombardeado. Há total obscuridade sobre o tipo de informação que as forças aliadas tinham no momento em que o comboio foi atingido. Obter essas informações é muito difícil, porque elas são protegidas por imunidade e motivos de segurança nacional. As perguntas que tem que ser feitas são se a Otan sabia ou não que Muammar Gaddafi estava naquele comboio antes de ser bombardeá-lo. Esse é o tipo de questão que a Promotoria deveria estar investigando. Ela certamente tem poder de investigar forças não-americanas da Otan, que são parte do TPI. A questão vai além dos autores diretos, como diz o artigo 28 do estatuto da corte: responsabilidade superior. Se foi concluído que foi um crime de guerra, porque os responsáveis não são punidos? E os responsáveis por puni-los, se não o fazem, também cometeram atos criminosos pela lei internacional.

A Otan é suspeita de crimes de guerra neste caso?

É uma das entidades que deve ser investigada. O mandato recebido pela Otan da ONU [para intervir na Líbia] foi o de proteger civis. Eu não vejo como alvejar o comboio de Muammar Gaddafi protegia a população civil. Ele estava fugindo para salvar a vida.

Parece uma investigação complexa.

Não, é muito fácil. A capacidade de investigar certamente existe, já o desejo é algo totalmente diferente. O que deveria ter sido feito imediatamente depois do assassinato é que uma extensa análise forense. Além disso os corpos deveriam ter sido analisados e os comandantes da região deveriam ter sido interrogados. Há testemunhas que parecem nos vídeos que circularam pelo mundo. Uma pessoa até confessou que foi a pessoa que atirou em Gaddafi. Acho que há ampla evidência para que uma investigação seja conduzida. É chocante que a investigação dessa natureza não tenha sido feita. A Otan estava envolvida? Direcionou as forças rebeldes ao esconderijo de Muammar Gaddafi?

Os excessos cometidos na intervenção na Líbia tem sido um dos argumentos dos países que se opõem a um ação semelhante na Síria. Foi um precedente negativo?

Não vejo nenhuma movimentação concreta para uma intervenção na Síria. Mas devo dizer que é marcante a hipocrisia do Conselho de Segurança, a diferença de atitude em relação à Líbia e à Síria. Na Líbia houve apoio unânime para a intervenção e o encaminhamento ao TPI. Os crimes de Bashar Assad [ditador sírio] parecem exceder em muito os crimes atribuídos a Muammar Gaddafi.

Como é a sua interação com a Aisha, o sr. já a encontrou?

Não estou autorizado a isso, porque as autoridades argelinas se negam a responder aos meus pedidos para entrar no país. Não porque sou israelense, mas provavelmente porque a represento. Por um lado, sou agradecido às autoridades argelinas por oferecerem proteção humanitária a Aisha. Mas eles até hoje não aprovaram meu pedido de visto para visita-la. Ela tem acesso proibido ao mundo exterior. Está numa espécie de prisão domiciliar. Mas mantemos contato frequente.

O fato de o sr. ser israelense causa algum problema?

Não faz nenhuma diferença. Eles me veem como um advogado, um dos mais proeminentes advogados de defesa no direito internacional. Por isso me contrataram, não pela minha nacionalidade.

Foi noticiado que ela poderia pedir asilo político em Israel.

É uma total inverdade. Isso é baseado em fofocas e notícias espúrias divulgadas por jornais. Israel é só um dos países em que ela poderia pedir asilo e Aisha não tem nenhuma intenção de fazê-lo. No momento ela está sitiada e qualquer melhora em suas condições será bem-vinda.

Por que o sr. aceitou o caso?

Por que não? Meu trabalho é defender pessoas. Aisha tem boas razões para apresentar o seu caso. Crimes foram cometidos contra o seu pai e seu irmão, crimes testemunhados pelo mundo inteiro. Não vejo nenhum problema em representá-la.

O fato de Muammar Gaddafi ter sido um ditador acusado de sérios abusos em seus 42 anos no poder não o fez pensar duas vezes?

O fato de ele ser um ditador não tem nada a ver com o caso. Em primeiro lugar, é preciso provar que Muammar Gaddafi cometeu crimes de guerra ou outros. O caso dele no TPI foi encerrado. O homem morreu sem que qualquer acusação tenha sido apresentado contra ele. É totalmente impróprio dizer que Muammar Gaddafi é um criminoso de guerra. Nenhuma acusação foi jamais provada em uma corte. A opinião popular é algo inteiramente diferente. Se a opinião popular fosse o juiz, Donald Rumsfeld [ex-secretário de Defesa dos EUA] e George Bush [ex-presidente dos EUA] e Henry Kissinger [ex-secretário de Estado dos EUA] seriam todos criminosos de guerra.

 

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