Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
27/08/2012 - 16h47

Presidente do Egito planeja iniciativa de paz na Síria

Publicidade

DAVID D. KIRKPATRICK
DO "NEW YORK TIMES", NO CAIRO

Tentando criar um novo papel de liderança para o Egito no cenário árabe abalado pelos levantes do ano passado, o presidente Mohammed Morsi está fazendo contato com o Irã e outras potências regionais em uma iniciativa cujo objetivo é deter a escalada da violência na Síria.

A iniciativa, centrada em um comitê de quatro países que inclui também a Turquia e a Arábia Saudita, é a primeira iniciativa de política externa proposta por Morsi, um político islâmico que se tornou o primeiro presidente eleito do Egito dois meses atrás.

Depois de esforços fracassados da Liga Árabe e das Nações Unidas para impedir que a situação na Síria decaia a uma guerra civil, o plano de Morsi estabelece um curso muito mais assertivo e independente para o Egito, que ainda está resolvendo suas questões sucessórias.

"Estamos determinados a conquistar o sucesso com esse comitê quádruplo", disse Yasser Ali, porta-voz de Morsi, no domingo. Ele definiu a crise da Síria como principal questão a ser discutida durante a visita que o presidente egípcio fará à China, cujo governo, em companhia dos governos do Irã e Rússia, vem se mantendo firme no apoio ao presidente sírio Bashar Assad, cujas forças armadas estão realizando uma ofensiva contra os baluartes da oposição. "Parte da missão envolve a China, parte da missão envolve a Rússia, parte da missão envolve o Irã", disse Ali.

Surgindo em um momento de aguda preocupação nas capitais ocidentais quanto aos efeitos que a liderança islâmica do maior Estado árabe poderia ter sobre a ordem regional apoiada pelos Estados Unidos, os planos de Morsi conflitam com a divisão costumeira da região em Washington, entre Estados simpáticos ao Ocidente como o Egito e a Arábia Saudita, de um lado, e o Irã, do outro, disse Emad Shahin, cientista político da Universidade Americana no Cairo. Mas ainda que envolva colaboração com rivais dos Estados Unidos, a iniciativa de Morsi também parece, nesse caso específico, estar em harmonia com o objetivo ocidental declarado de pôr fim à carnificina na Síria.

"Estamos falando de uma reconfiguração da política regional e internacional da região", disse Shahin. "Certamente causará preocupações em Washington e Tel Aviv, mas não creio que se trate de uma política externa de confronto. É uma política externa com visão regional, para resolver um problema regional pelo envolvimento dos quatro países mais importantes da região e sem considerar a situação pelo prisma de Washington ou Tel Aviv".

Morsi já apelou pela renúncia de Assad e pelo fim da violência na Síria. A escalada da violência no país parece ter se tornado uma guerra de prepostos que ameaça desestabilizar toda a região, com o Irã entre os principais patrocinadores do governo de Assad e a Arábia Saudita e a Turquia entre os países que apoiam os rebeldes.

A despeito do fracasso de iniciativas da Liga Árabe e da ONU na região, alguns analistas argumentam que a abordagem regional de Morsi pode representar uma chance melhor de intermediar a paz, em parte devido à hostilidade mútua entre o Irã e o Ocidente.

"Obviamente é preciso haver canais de comunicação com o regime de Assad - pessoas que não se sentem confortáveis com a situação atual e gostariam de representar um papel mais visivelmente positivo", disse Peter Harling, pesquisador do International Crisis Group que estuda a Síria, falando sobre o Irã. "E qualquer esforço de contato com o Irã não pode incluir o campo ocidental; se os Estados Unidos estivessem envolvidos, seria impossível".

O ministro do Exterior egípcio já fez contato com seus colegas nos outros três países a fim de organizar uma reunião preliminar, informou na segunda-feira um porta-voz do Ministério do Exterior. Morsi propôs a iniciativa em uma reunião de países muçulmanos em Meca, no começo de agosto, e a mídia estatal do Irã noticiou que as autoridades do país haviam elogiado o plano publicamente.

Morsi vai visitar Teerã esta semana para uma reunião dos países ditos "não alinhados", mas seu porta-voz disse que a visita só duraria algumas horas, sem conversações bilaterais na agenda. Ele também descartou especulações de que Morsi planejava restabelecer o relacionamento diplomático pleno com o Irã. Os dois países romperam relações depois da revolução iraniana de 1979, e mantêm apenas representação de nível secundário, em lugar de embaixadas, nas respectivas capitais, ainda que a maioria dos demais países árabes - incluindo a Arábia Saudita, tradicionalmente rival do Irã - já tenha restaurado os elos regulares com os iranianos.

Ainda assim, Ali definiu a inclusão do Irã em um grupo regional de contato sobre a Síria como "uma oportunidade, porque o Irã é parte ativa da questão síria".

"O Irã poderia ser parte da solução em lugar de parte do problema", disse. "Se você deseja resolver um problema, precisa reunir todas as partes que influenciam o problema de algum modo".

A combinação heterodoxa de participantes do grupo de trabalho proposto por Morsi indica a mudança da dinâmica regional. Morsi veio da Irmandade Muçulmana, movimento pan-árabe que há muito se opõe à monarquia saudita e aos seus elos estreitos com o Ocidente. O reino baniu o grupo, definindo-o como subversivo.

Tanto Egito quanto Arábia Saudita sempre foram rivais ferrenhos do Irã. E enquanto os iranianos fornecem apoio militar e logístico ao governo de Assad, Turquia e Arábia Saudita têm ajudado a armar os rebeldes que tentam derrubá-lo.

No entanto, Morsi pode estar bem posicionado para unir os demais componentes do grupo de trabalho, dizem analistas. O Egito tem credibilidade como "protagonista emergente no mundo árabe e como modelo de transição democrática razoavelmente bem sucedida na Primavera Árabe", disse Harling.

Ele argumenta que as conexões de Morsi com o grupo palestino militante Hamas, via Irmandade Muçulmana, podem facilitar as negociações devido às profundas conexões do Hamas com a Síria, O Hamas tinha sede em Damasco até o levante, e mantém elos estreitos com partes da oposição síria e com alguns elementos do governo de Assad.

Ali enfatizou que o novo presidente pretendia fazer da independência e abertura as marcas da política externa egípcia.

"A diplomacia egípcia será mais ativa, mais vibrante", disse. "Passamos por um longo período de estagnação diplomática, torpor e rigidez". Acrescentou que "não fazemos parte de qualquer eixo definido ou de qualquer dos grupos antigos. Portanto, nossas mentes estão abertas a todos, e nossas mãos estão estendidas a todos".

Mas Ali também deixou claro que, no momento, Morsi estava urgentemente preocupado com a tarefa de reanimar a moribunda economia de seu país, e isso pode restringir sua autonomia.

Ele disse esperar que seja possível manter a parceria militar entre o Egito e os Estados Unidos, que fornecem US$ 1,3 bilhão anual em assistência militar aos egípcios.

Nos últimos meses, o Egito recebeu US$ 3 bilhões em empréstimos da Arábia Saudita e Catar. O país solicitou uma linha de crédito de US$ 4,8 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI). E os Estados Unidos também estão negociando o desembolso de mais de US$ 1 bilhão em assistência prometida.

Depois da questão da Síria, Ali disse que buscar mais investimento estrangeiro seria "o segundo elemento" na viagem de Morsi à China. Como portal para a África e como mais populoso Estado árabe, o Egito poderia servir como entreposto comercial para bens chineses ou como centro regional de indústria.

Mas, disse Ali, Morsi também trabalhará para redefinir o papel internacional de Egito de maneira digna do status histórico do país como líder regional.

"Não vamos competir com ninguém e não queremos formar alianças, mas desejamos o papel que o Egito realmente merece", disse. "Porque não somos um país pequeno, quer em termos geopolíticos, quer em população, demografia e conhecimentos. É isso que queremos dizer com redefinir o papel regional e a segurança nacional do Egito".

Tradução de Paulo Migliacci

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página