Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
07/10/2012 - 06h45

Brasileiro é mentor de crítica light de Capriles ao presidente Chávez

Publicidade

ITALO NOGUEIRA
DO RIO
FLAVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

Fugindo da guerra ideológica de Hugo Chávez e repetindo o modelo pragmático que faz sucesso no Rio, o marqueteiro Renato Pereira, 52, é o brasileiro que ajuda a, pela primeira vez em 13 anos, ameaçar mais uma vitória eleitoral do presidente venezuelano.

Ligado ao governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), Pereira repete, na campanha do opositor Henrique Capriles, a internacionalização da comunicação política brasileira seguida por Duda Mendonça e João Santana.

Rejeita, porém, ser classificado como marqueteiro, ressalta sua veia documentarista e gosta de lembrar sua origem como antropólogo indigenista, pesquisador do Parque do Xingu.

Em contato com a equipe de Capriles há quase um ano, Pereira, junto com o jornalista Chico Mendez, preparou a estratégia de campanha do opositor de Chávez. Decidiu fugir das críticas ao modelo político chavista e focou nas consequências deste no dia a dia do venezuelano. Pesquisas apontam sucesso na nova abordagem da oposição.

Daniel Marenco/Folhapress
Marqueteiro Renato Pereira define campanha venezuelana como a luta entre Davi e Golias
Marqueteiro brasileiro Renato Pereira define campanha venezuelana como a batalha entre Davi e Golias

"Usamos toda a agenda cotidiana, a solução para as questões de segurança, emprego, desenvolvimento. Muito mais do que com a discussão ideológica. [Fazer isso] É cair na armadilha do próprio Chávez. A maioria das pessoas que o apoiam, não o fazem por causa do socialismo. Mas sim porque o veem como um grande pai protetor e que nenhum outro vai olhar pelo mais pobre", disse Pereira.

Na Venezuela, repete a estratégia de posicionamento no espectro ideológico usado no Rio. Para ele, o "centro político" esteve por muito tempo abandonado na América Latina. Pereira afirma que busca em suas campanhas "dar significado, valor político e emotivo à causa".

"Há pessoas que fazem comunicação de esquerda e de direita. E o centro, que é tão importante para governabilidade, com seus desafios próprios, fica abandonado."

Trotskista na adolescência, antropólogo indigenista na juventude, e documentarista no começo profissional, Pereira iniciou a carreira no marketing político pelas mãos de Cabral.

Após participar da produção de peças publicitárias com o irmão do governador, Maurício, em 1998, foi convidado a fazer a campanha do então candidato a deputado federal. Desde então, segue o peemedebista, que o indicou para candidaturas estratégicas de seu grupo político, como Eduardo Paes (PMDB) em 2008 e este ano.

Apesar do inusitado encontro de Pereira, ex-membro da Liga Operária aos 17 anos, e Paes, ex-tucano, ele rejeita críticas sobre pragmatismo e despolitização ao identificar-se como de centro.

"No caso da Venezuela, o centro político é revolucionário. Restaurar coisas básicas como a democracia, o respeito aos direitos humanos. No Rio, há coisas que o Paes diz que podem parecer vazias, como 'o meu partido é o partido do Rio'. Se pegar os últimos anos, era um lugar em que todos transformavam em plataforma para suas pretensões políticas pessoais. Se ele faz alianças necessárias para que os projetos saiam do papel, se vê o valor político de uma atitude dessa."

Na Venezuela, a estratégia seguiu o espírito. Capriles usa como slogan "Há um caminho", para um genérico "progresso". Contra o vermelho do chavismo, a campanha escolheu as cores pátrias venezuelanas vermelho, amarelo e azul. O opositor veste camisa da seleção de futebol da Venezuela e transformou um boné tricolor num símbolo da corrida eleitoral.

"O que fizemos foi organizar a mensagem de Capriles, transformar em narrativa de comunicação. Não estava claro para eles que a ideia de união poderia ser usada", diz Mendez, 30, que seguiu o dia a dia da campanha.

Analistas da oposição, que a princípio estranhavam o discurso "quase floral" de Capriles sobre a união do país, agora estão entusiastas. Dizem que essa é a melhor campanha política na Venezuela desde 1998, quando Chávez chegou ao poder.

Interessado em explorar o tema da segurança, o candidato opositor chegou a articular encontro com Paes e Cabral no Rio, para conhecer as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), a fim de usar como exemplo para tentar reduzir as altas taxas de homicídio. O encontro, marcado para abril, foi cancelado.

Especulou-se à época de que houvera intervenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva junto ao governador, já que o petista apoia Chávez. Pereira nega.

"Quando gravamos o depoimento do Lula [para a campanha de Paes este ano, em setembro], ele chegou brincando. 'Pô, vai defender o Capriles'. Falei para ele: 'A diferença lá é de quatro pontos [nas pesquisas de intenção de voto]. Não vai cair no conto do vigário de instituto de padaria'. Ele respondeu: 'Quatro? Me falaram 12'."

Na maioria das pesquisas, Chávez está na frente, ainda que Capriles tenha encurtado a distância nas últimas semanas. Ao menos um reputado instituto dá empate técnico, com leve dianteira do opositor.

Em 2008, Pereira participou da operação montada para atrair Lula para a campanha do segundo turno de Paes. A aliança entre governo federal, estadual e municipal foi considerada um trunfo da candidatura. Na Venezuela, eles estão em lados opostos.

"Não tenho a menor dúvida de que o Lula está muito errado na Venezuela. Ele tem um vínculo pessoal com o Chávez. Acha que [o venezuelano] tem um bom coração, um compromisso com os mais pobres."

Nos filmes de campanha, também repete estratégia que trouxe do Rio. Usa muitos personagens para resumir políticas públicas e qualidades pessoais de seus candidatos. Chega inclusive a aproveitar parte da trilha sonora da campanha de Paes nos vídeos de Capriles.

Pereira define a campanha venezuelana como uma briga entre Davi e Golias, em razão do restrito tempo de TV de Capriles em comparação com a estrutura de Chávez. Somadas as propagandas governamentais, discursos do presidente transmitidos ao vivo, e as TVs estatais, a presença do presidente nas emissoras é vinte vezes a do opositor, calcula.

"É piada dizer que há democracia na Venezuela. Há frestas democráticas que a oposição tenta usar. É um regime autoritário que usa ritos da democracia para se perpetuar."

A equipe de Pereira chegou até Capriles após dar consultoria à campanha do governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli. O argentino, por sua vez, o conheceu quando veio ao Rio ver o projeto das Unidades de Pronto Atendimento, criadas no governo Cabral.

VOVÔ-GAROTO

O trabalho audiovisual começou no fim dos anos 80, quando foi para o Parque Indígena do Xingu dar cursos de técnicas de filmagem para índios caiapós, como parte do mestrado não concluído no Museu Nacional da UFRJ. Pereira morou com a mulher e duas filhas por três meses na casa do cacique Raoni, famoso líder da etnia.

Em seguida, fundou a produtora TvZero, com o cineasta Roberto Berliner, na qual produziu documentários como "A pessoa é para o que nasce". Foi pela empresa que teve contato com o irmão de Cabral.

Pai de quatro filhos e com dois netos, Pereira é conhecido como vovô-garoto por amigos. Pratica parapente, já viajou boa parte do país e da América Latina de moto e subiu até a base de escalada do Everest com uma das filhas.

Com estilo informal e despojado, rejeita ser chamado de marqueteiro. "[O nome] Traz um significado de alguém que distorce a realidade". Discreto, diz não buscar reivindicar o papel principal numa eventual vitória na Venezuela.

"Com o papel que temos na Venezuela seria tolice dizer que somos centrais. A gente tem um papel relevante, mas secundário. Estamos ajudando um grupo que já tinha estratégia, posicionamento, trajetória a ser talvez um pouco mais eficiente na comunicação visual. Não somos os inventores da mensagem do Capriles".

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página