Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
19/10/2012 - 18h55

Análise: Por sob a vitória de Chávez

Publicidade

JENNIFER McCOY
ESPECIAL PARA A FOLHA

A maior parte dos comentários em inglês atribuiu a surpreendente vitória de Hugo Chávez por margem de 11% na eleição de 7 de outubro a gastos públicos bancados pelo petróleo e ao "ventajismo" (o uso da maquinaria do Estado, e de uma capacidade impressionante de mobilização pelo atual governo a fim de criar vantagens eleitorais desleais).

De acordo com essa interpretação, alguns eleitores teriam sido induzidos a votar no presidente pelo medo de perder benefícios prometidos.

Embora todos esses fatores tenham contribuído para o resultado, a análise desconsidera um outro fator que explica a longevidade política de Chávez, o qual, caso complete seu mandato, terá detido o poder por 20 anos e será o presidente eleito com governo contínuo mais longo nas últimas quatro décadas.

Esse fator é o elemento intangível daqueles eleitores que se identificam com um líder que pela primeira vez lhes deu voz e dignidade, os inspirou com uma poderosa mensagem de inclusão e identidade, e despertou esperança e fé com suas promessas de não só tornar melhores as vidas dos seus seguidores mas fazer deles líderes.

Esses partidários temem ser apagados, se tornar invisíveis, caso seu líder e movimento percam o poder. Em termos de ciência política, além de seu voto poder ser considerado como voto utilitário, é também um voto afetivo.

Há quem acredite que esses eleitores tenham sido coagidos ou manipulados pelo presidente.

Mas nem todo mundo que votou em Chávez carece de senso crítico ou é incapaz de análise objetiva da situação do país.

Os líderes da base chavista nos dizem que estão muito preocupados com o compadrio e com a extrema dependência quanto ao petróleo, que só se aprofundou na era Chávez (hoje, o petróleo responde por 95% das exportações venezuelanas).

Eles se irritam com a intolerância ao debate e à crítica internas, e a indicação de candidatos a governos estaduais, alguns dos quais impopulares em suas regiões. Um novo "dedazo" de Chávez sem consulta às bases de seu partido, na semana passada, pode prejudicar as chances do governo nas eleições regionais de 16 de dezembro.

Esses líderes da base governista também criticam a falta de debate sobre drogas e corrupção durante a campanha presidencial, problemas vistos como sérios por chavistas e não-chavistas igualmente.

Os partidários de Chávez, surpreendentemente, não o veem como pessoalmente culpado pelas sérias deficiências de seu governo, e em lugar disso atribuem a culpa a ministros ineptos ou corruptos que iludem o presidente.

Chávez mesmo admite que não supervisionou com atenção os detalhes de seu governo, durante seu período de doença no ano passado, mas essa autocrítica reflete simplesmente as consequências da concentração excessiva de poder em uma pessoa, e a destruição das instituições independentes e dos mecanismos de prestação de contas na Venezuela.

Os eleitores de ambos os candidatos que esperaram pacientemente na fila para depositar seus votos também se declararam dispostos a aceitar a vitória de qualquer dos dois candidatos, e afirmaram capacidade de conviver e colaborar.

Os eleitores jovens, especialmente, demonstravam maturidade maior que a da elite política, ao expressar seu desejo por líderes que cooperassem para resolver os sérios problemas do país, deixando para trás o amargor e a divisão.

A Venezuela está em um ponto de inflexão. Com a quarta renovação consecutiva do mandato presidencial, a plataforma e o discurso de vitória de Chávez prometem mais do mesmo, uma estratégia de confronto e polarização, e dependência econômica de uma só commodity em uma economia dominada pelo Estado.

Essa estratégia pode não se provar sustentável por quatro motivos.

O primeiro é a incerteza continuada quanto à saúde do presidente e sobre o que ele fará para institucionalizar seu movimento e promover o avanço de novas lideranças.

O segundo é uma economia frágil, com um setor privado enfraquecido funcionando "em ponto morto" diante da escassez de dólares e do câmbio supervalorizado, e forçado a se voltar à importação e ao varejo em lugar de à exportação produtiva.

O terceiro são as novas lideranças que estão emergindo na oposição - uma nova geração e uma nova mensagem de unidade e reconciliação, descartando um retorno ao passado.

Capriles Rodonski demonstrou liderança real em seu discurso três dias após as eleições, quando se negou a aceitar rumores infundados de fraude e pediu que seus partidários pusessem fim ao luto e se reerguessem para continuar em sua estrada, a começar pelas eleições regionais de dezembro.

Seu reconhecimento imediato da vitória de Chávez serviu para negar a mensagem governamental de uma oposição recalcitrante e indisposta a reconhecer a vontade da maioria, e abriu caminho para um telefonema de Chávez no qual o presidente pela primeira se referiu ao adversário pelo prenome, e não por um epíteto.

O quarto, e em minha opinião mais importante, problema é o do entendimento mútuo, ainda fugaz, que poderia resultar em um novo consenso social baseado no respeito e tolerância "ao outro".

As elites sociais continuam a usar viseiras ao discutir o setor popular, incapazes de reconhecer o instinto básico de busca de dignidade e respeito, para além das preocupações materiais.

Os líderes do governo ainda acreditam que possam promover sozinhos as mudanças prometidas, derrubando e denegrindo a elite social e política que os precedeu.

Chávez é um líder revolucionário no sentido de ter rompido com o passado, e destruído instituições antigas para permitir futuras mudanças.

Depois de 14 anos, resta determinar se a mesma pessoa será capaz de construir e sustentar uma nova ordem social e política.

A eleição de 7 de outubro oferece a oportunidade, e prova a necessidade, de que o governo venezuelano estenda a mão àqueles que favorecem o diálogo e a moderação, para inclui-los na discussão do futuro.

As diferenças não são irreconciliáveis.

Jennifer McCoy é autora de "International Mediation in Venezuela", e comandou uma missão de estudo durante a eleição de 2012. É professora de ciência política na Universidade Estadual da Geórgia e diretora do Programa das Américas no Carter Center.

Tradução de Paulo Migliacci

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página