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06/11/2012 - 16h00

Para Europa, diferença entre Obama e Romney pode ser marginal

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ANATOLE KALETSKY
DA REUTERS, EM NOVA YORK

A julgar pelas pesquisas de opinião, não há dúvida quanto a qual dos candidatos presidenciais dos EUA seria melhor para a Europa. De acordo com uma pesquisa publicada esta semana pela YouGov, do Reino Unido, 90% dos eleitores europeus dizem que votariam em Barack Obama, rejeitando Mitt Romney. Mas esse apoio assimétrico corresponde aos verdadeiros interesses dos europeus?

Os números não são inteiramente surpreendentes. Para muitos europeus, a posição republicana sobre questões sociais que provocam emoção, como o aborto, a saúde e a proteção ambiental, gera uma divisão cultural quase intransponível. Em relação à política externa, há na Europa temores compreensíveis que uma administração Romney reduziria o peso das Nações Unidas, aumentaria as chances de guerra no Oriente Médio e possivelmente provocaria confrontos com a Rússia em torno da Geórgia ou da ampliação da Otan.

Mas, se focarmos as questões que neste momento estão preocupando a enorme maioria dos europeus --a estagnação econômica global e a crescente crise do euro--, talvez cheguemos a uma conclusão diferente. Talvez a Europa devesse torcer pela vitória de Romney, apesar das posições sociais dele.

A eleição de Romney poderia ajudar a economia europeia e o euro, por três razões. A primeira delas é o discurso intransigente de Romney em relação à Rússia e China. Isso poderia permitir que empresas europeias --que já exportam duas vezes e meia mais que suas rivais americanas para a China e oito vezes e meia mais para a Rússia-- se tornassem ainda mais dominantes nesses mercados.

A segunda é a política fiscal de Romney. Em meio às promessas econômicas vagas feitas pelos dois candidatos sobre gerar empregos, fechar brechas tributárias, equilibrar orçamentos e assim por diante, apenas uma se destaca por sua especificidade, fato que torna muito provável sua implementação após 6 de novembro: o compromisso assumido por Romney de reduzir em 20% os impostos de renda e corporativo.

Pode ser, como Obama argumenta, que tais reduções enormes nos impostos não possam ser contrabalançadas por economias nos gastos públicos ou pelo fechamento de brechas. Mas Romney já sugeriu que cortará os impostos, mesmo assim, recorrendo ao argumento keynesiano de que quaisquer déficits resultantes seriam temporários e acabariam sendo fechados graças ao crescimento econômico maior.

Seria, essencialmente, uma repetição do experimento da "Reaganomia" dos anos 1980, possivelmente com resultados comparáveis: um boom econômico acompanhado por grandes déficits orçamentários que acabariam por não causar danos sérios. Como já observei antes, a promessa inequívoca feita por Romney no debate de Denver de cortar impostos parece ter sido a principal razão do aumento de intenções de voto para ele detectado nas pesquisas.

O presidente Reagan brincou certa vez com um conservador fiscal que o avisou sobre os efeitos orçamentários negativos de seus cortes de impostos: "O déficit já é grande o suficiente para cuidar dele mesmo".

Se cortes nos impostos, ao estilo do que foi feito nos anos 1980, voltassem a estimular a economia dos EUA, economistas poderiam debater furiosamente se o boom era devido a estímulos keynesianos ou incentivos à oferta. Mas, fosse qual fosse o mecanismo, uma reprise da "Reagonomia" poderia transformar as perspectivas econômicas globais e reforçar fortemente o dólar, beneficiando exportadores na Europa.

Embora conservadores fiscais europeus tivessem atacado Reagan por desvalorizar a moeda americana com déficits enormes, o dólar quase dobrou entre 1981 e 1985, passando de 1,90 para 3,30 marcos alemães. Outro experimento com o déficit poderia gerar resultados semelhantes, mesmo que mais brandos.

Uma terceira razão, mais abstrata, pela qual a Europa poderia beneficiar-se de uma vitória de Romney parte da premissa de que Romney cumprirá suas promessas de cortar impostos. Em seguida, ensinará aos líderes europeus algumas lições salutares enquanto eles se debatem com os problemas econômicos e financeiros de seu continente.

Se ficasse comprovado seu acerto, uma política de redução ousada de impostos promovida por Romney poderia demonstrar de uma vez por todas que todos os esforços para reduzir déficits orçamentários no meio de uma recessão econômica são desnecessários e têm efeito oposto ao desejado.

Numa recessão, os governos que são fundamentalmente solventes podem deixar seus déficits crescer e sua dívida pública se acumular, com segurança. A política fiscal não deve visar metas de déficit de curto prazo, mas deve tentar equilibrar a receita e os gastos no longo prazo. E essa consolidação estrutural geralmente deve esperar para depois de ser retomado o crescimento normal e de o desemprego ter voltado para níveis toleráveis.

Contudo, tal consolidação fiscal paciente só é possível se os governos podem contar com apoio monetário de seus bancos centrais. Se a economia americana alcançar crescimento econômico maior após outra rodada de cortes nos impostos, esse sucesso será devido em grande parte ao apoio das políticas monetárias do Fed.

Ao invés de pedir austeridade fiscal prematura, o presidente do Fed, Ben Bernanke, vem desaconselhando os políticos a cortar os gastos públicos excessivamente em 2013. O que é ainda mais importante, ele prometeu manter os juros nos EUA em zero até 2015, concretamente comprometendo o Fed a financiar quaisquer déficits que o governo decida ter.

Já o Banco Central Europeu, em contraste, vem exigindo dos governos europeus políticas fiscais cada vez mais rígidas, agravando a recessão, e ameaçou suspender apoio monetário se os governos descumprirem metas de deficit.

Assim, um corte de impostos bem-sucedido por parte de Romney enfatizaria os contrastes entre políticas monetárias e fiscais dos dois lados do Atlântico. E questionaria a divisão rígida entre política monetária e fiscal que foi a premissa fundamental do projeto do euro --e agora parece ser sua principal falha fundamental.

Qualquer fusão entre políticas fiscal e monetária hoje é rejeitada totalmente pelo BCE e os tratados da UE. Mas a experiência dos EUA sugere que, para administrar com sucesso uma economia continental, especialmente em um período de tensão financeira, o BCE vai precisar pedir um mandato mais amplo --e será necessário rever a separação estanque entre política fiscal e monetária nos tratados da UE.

Uma vitória de Romney, se resultasse em grandes cortes de impostos e estímulos fiscais, forçaria a Europa a rever muitas das premissas subjacentes aos programas de austeridade fiscal e monetária empreendidos no momento.

A economia americana dá sinais de que vai se acelerar em 2013, mesmo sem quaisquer cortes adicionais nos impostos, de modo que a diferença econômica entre uma Presidência de Obama e uma de Romney talvez seja apenas marginal. Na medida em que a Europa voltar a afundar na recessão, ela vai olhar para os Estados Unidos com inveja, seja qual for o candidato presidencial vencedor.

Tradução de CLARA ALLAIN

 

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