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27/01/2013 - 19h52

EUA questionam parcerias entre indústrias de armas e de videogames

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BARRY MEIER
ANDREW MARTIN
DO "NEW YORK TIMES"

Quando a Electronic Arts se preparou para divulgar "Medal of Honor Warfighter", a versão mais recente de seu videogame mais vendido, lançada em outubro, ela criou um site na internet promovendo os fabricantes das armas de fogo, facas e equipamentos de combate retratados no game.

Entre os parceiros de marketing da grande fabricante de videogames, no site, estavam o Grupo McMillan, fabricante de um fuzil de atirador de elite, de alta potência, e a Magpul, que vende pentes de balas de alta capacidade e outros acessórios para armas de assalto. Links presentes no site do "Medal of Honor" permitem que o visitante visite os sites dos parceiros do game e vasculhe seus catálogos.

"Foi quase como um showroom virtual de armas de fogo", falou Ryan Smith, colaborador da "Gameological Society", uma revista online sobre games.

Depois de Smith e outros entusiastas de games terem criticado o site, a Electronic Arts desabilitou os links, dizendo que não tinha tido conhecimento deles.

O setor dos videogames foi arrastado para a discussão nacional sobre a violência cometida com armas de fogo quando, na semana passada, a Associação Nacional de Rifles (NRA) acusou os produtores de games e filmes violentos de ajudarem a incitar o tipo de massacre que recentemente vitimou 20 crianças e seis adultos numa escola em Newtown, Connecticut.

Embora estudos não tenham constatado qualquer ligação entre videogames e violência cometida com armas e fogo, o caso do "Medal of Honor Warfighter" revela como, sem fazer alarde do fato, a indústria de armas de fogo e a dos videogames vêm forjando um relacionamento de marketing mutuamente benéfico.

Muitos dos mesmos produtores de armas de fogo e equipamentos relacionados são também patrocinadores financeiros da NRA. A McMillan, por exemplo, é doadora corporativa da organização, e a Magpul juntou-se a ela recentemente numa distribuição gratuita de produtos divulgada no Facebook. Entre outros patrocinadores corporativos da NRA estão a Glock, a Browning e a Remington.

Especialistas em marketing dizem que os fabricantes de armas de fogo e equipamentos relacionados passaram a enxergar os videogames como uma maneira de promover suas marcas junto a milhões de potenciais compradores. A Magpul e a Electronic Arts criaram um vídeo, postado no YouTube, sobre sua parceria. "Isso vai ajudar as percepções da marca", disse Stacy Jones, presidente da empresa Hollywood Branded, especializada na inserção de merchandising de produtos em filmes e programas de televisão.

Fuzis de assalto produzidos pela Bushmaster Firearms contam com créditos que fariam inveja a qualquer ator, incluindo participações em "Call of Duty Modern Warfare 2", parte da popular série de games da Activision. Adam Lanza, o atirador de Newtown, usou uma arma semiautomática produzida pela Bushmaster, uma unidade do Freedom Group.

O produto mais recente na franquia "Call of Duty", "Black Ops II", destacou modelos de armas também fabricadas pela Barret e Browning. Outro game popular vendido pela Electronic Arts, "Battlefield 3", mostra revólveres e fuzis de assalto semelhantes aos fabricados pela Colt, Heckler & Koch, Glock e Beretta.

As forças armadas dos EUA também usam "Call of Duty" e outros videogames para o recrutamento e treinamento de soldados.

Uma porta-voz da Activision disse que não tinha conseguido obter respostas às perguntas em função das férias de fim de ano. Várias outras empresas não responderam a telefonemas e e-mails, entre elas a McMillan, Magpul, Browning e Barret. A NRA tampouco respondeu. Não foi possível localizar um porta-voz da Glock para ouvir suas declarações.

Em comunicado à imprensa, a Electronic Arts disse que fabricantes de videogames, assim como produtores de filmes, "frequentemente licenciam imagens de pessoas, franquias esportivas, edifícios, carros e equipamentos militares". A empresa acrescentou que não recebeu dinheiro por usar imagens de marca em "Medal of Honor".

Um porta-voz do Freedom Group, Ted Novin, disse em mensagem de e-mail que a Bushmaster "não recebeu nenhum pagamento, nem pagou pela inserção de nossos produtos em 'Call of Duty'". Ele acrescentou no e-mail: "O setor de games e entretenimento com frequência emprega imagens de nossos produtos sem nossa autorização".

Mas, indagado se a Activision tinha sido autorizada pelo Freedom Group a retratar os produtos deste em "Call of Duty", ele não respondeu.

O Freedom Group pertence à Cerberus Capital. Após o massacre na escola do Connecticut, a Cerberus anunciou que vai procurar um comprador para o Freedom Group.

Muitos jogadores de games de tiro, como "Medal of Honor" e "Call of Duty", dizem ter prazer com a violência simulada e a oportunidade de disparar armas virtualmente, mesmo que nunca cheguem a tocar numa arma real. Mas, como alguns fãs dos games, alguns entusiastas das armas de fogo estão sentindo-se incomodados com as relações crescentes entre as empresas de videogames e as de armas.

Alguns anos atrás, quando a Skorpion, que vendia uma pistola semiautomática, divulgou a imagem da arma em alguns games, o editor do "The Firearm Blog", que acompanha as novidades no setor de armas de fogo, expressou surpresa. "Acho que a maioria das empresas quer distanciar-se de videogames violentos", escreveu o editor do blog, Steve Johnson.

Nos últimos dez anos, armas de porte pequeno fabricadas pela Glock tornaram-se tão comuns em filmes e programas de TV que em 2010 a fabricante austríaca de armas recebeu um prêmio por suas realizações do site de marketing de produtos Brandchannel.com.

Laura Parker, editora associada do site de games Gamespot Australia, disse que fabricantes de games como Activision e Electronic Arts concorrem acirradamente para criar os games mais realistas.

"Eles acreditam que o uso de marcas que existem no mundo real --de roupas, equipamentos táticos ou armas-- é uma maneira de fazer com que games como 'Call of Duty' e 'Medal of Honor' se pareçam ao máximo com a vida real", disse Parker em e-mail.

Alguns fabricantes de videogames mostram nos games armas ligeiramente modificadas em relação às reais ou alteram os nomes das armas, para evitar possíveis complicações legais.

Mas, em vista dos valores altíssimos investidos em um game, a maioria dos desenvolvedores e fabricantes respeitados de videogames busca autorizações ou licenças explícitas dos fabricantes de produtos, disse Matthew Syrkin, advogado da Hughes, Hubbard 7 Reed, que representa empresas do setor de videogames.

"É altamente arriscado colocar qualquer coisa num game a não ser que você possua licença para isso", disse Syrkin, explicando que esses acordos também protegem fabricantes contra a possibilidade de ter seus produtos retratados de modo ilegal ou negativo.

O massacre no Connecticut não é a primeira instância em que videogames violentos foram vistos como culpados por causar violência. Manifestações semelhantes de ultraje seguiram-se ao massacre da escola Columbine, no Colorado, em 1999, cometido por dois adolescentes que jogavam "Doom", um videogame popular na época. No ano passado um norueguês que matou 77 pessoas declarou ter aperfeiçoado suas habilidades como atirador jogando "Call of Duty" por muitas horas.

No caso do site promocional recente dos parceiros de "Medal of Honor Warfighter", um porta-voz da Electronic Arts disse que tomou medidas depois de descobrir que os jogadores podiam clicar para chegar aos sites de seus parceiros. "Achamos que era inapropriado e retiramos os links", escreveu em e-mail um porta-voz da Electronic Arts, Jeff Brown.

Mas Ryan Smith, o aficionado de games que escreveu sobre os links, disse que a empresa não fez o suficiente. De acordo com ele, o link direto desapareceu, mas as pessoas que visitam o site ainda podem procurar uma arma e "dar alguns passos adicionais para comprá-la".

"Pessoalmente, acho que não deveria haver armas reais nos games, para começo de conversa", ele opinou. "É negativo vincular coisas que se podem fazer num game com instrumentos de morte que podem ser usados na vida real."

Tradução de Clara Allain

 

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