Ex-embaixador na ONU fala em "recarregar baterias"
Para John Bolton, ex-embaixador dos EUA nas Nações Unidas, uma eventual derrota republicana em 2008 pode ser útil ao partido: "poderemos recarregar as 'baterias intelectuais', nos reagruparmos após oito anos de Presidência e basicamente pensar um pouco".
Mas ele vê com crescente preocupação a chance de vitória do democrata Barack Obama, que "não avalia bem as ameaças" externas que os EUA enfrentarão. Entre elas, segundo o diplomata, estão a beligerância russa, a ambição nuclear iraniana e o apoio a movimentos antidemocráticos pelo venezuelano Hugo Chávez.
Autor de "Render-se Não é uma Opção" ("Surrender is Not an Option", Threshold, 2007) Bolton diz que "a idéia de que o novo presidente vai poder chegar e ser um guardião platônico, observando o mundo como se fosse um seminário acadêmico, é muito incorreta". "Ele vai ter que se preparar para escolhas muito difíceis em um ambiente perigoso", diz.
Criticado por seu estilo abrasivo, o diplomata nunca foi aprovado pelo Congresso como representante permanente na ONU e acabou renunciando no fim de 2006, um ano e meio após George W. Bush tê-lo apontado. Leia a entrevista que ele concedeu à Folha.
FOLHA - Como o sr. vê a campanha republicana à Presidência em 2008?
JOHN BOLTON - É obviamente um ambiente muito difícil para os republicanos, em todos os níveis. A economia está péssima, a popularidade do presidente está em baixa e após oito anos de um governo os americanos têm a tendência de dizer que é hora dar uma chance ao outro lado. Mas acho que teremos um resultado apertado, não importa quem vença.
Os republicanos vão ter algumas perdas na Câmara e no Senado, mas não serão perdas enormes. Eu acho que é útil de tempos em tempos ficar fora do poder. Podemos recarregar as "baterias intelectuais". Será uma oportunidade de nos reagruparmos após oito anos de Presidência e basicamente pensar um pouco e nos revitalizarmos.
FOLHA - Como o sr. avalia os últimos oito anos?
BOLTON - O resultado é misto. A resposta do presidente George W. Bush aos ataques do 11 de Setembro provavelmente será a maior marca de seu governo. Mas a forma como Bush lidou com a ameaça da proliferação nuclear, com a invasão da Geórgia pela Rússia e com [o presidente da Venezuela,] Hugo Chávez não entrarão favoravelmente na história.
FOLHA - Com o que sabemos hoje, a resposta ao 11 de Setembro foi correta?
BOLTON - Não tenho a menor dúvida de que foi correta. Parte da dificuldade que Bush vem tendo é que não continuou a mesma linha de ação e não abordou o problema [do terrorismo] mais amplamente. Como os EUA só foram atacados uma vez, caímos numa sensação de segurança que não tem nenhuma garantia de ser correta. O próximo presidente vai enfrentar desafios terroristas que serão muito difíceis de contrabalançar. A "guerra ao terror" tem que continuar como uma das prioridades máximas.
FOLHA - Os EUA devem manter a prerrogativa de ataques preventivos após a saída de Bush?
BOLTON - Essa não é, como dizem, uma "doutrina Bush". Surgiu há centenas de anos e não é nem mesmo uma doutrina particularmente americana. Países sob ameaça devem se defender sem a necessidade de esperar por um ataque. O que Bush fez foi se apropriar dessa posição antiga e aplicá-la à ameaça de armas de destruição em massa. E eu ainda acho que esta é exatamente a coisa certa a fazer. Não podemos deixar as armas mais poderosas do mundo caírem nas mãos das pessoas mais perigosas do mundo. Se isso significa o uso de força preventiva, então é isso mesmo.
FOLHA - O que está em jogo na eleição deste ano na área da política externa?
BOLTON - John McCain e Barack Obama têm visões muito diferentes sobre como nossa política externa deve ser, e é por isso que essa é uma eleição que terá conseqüências muito sérias para os EUA. Estou muito preocupado com Obama, ele é ingênuo, inexperiente e não dá o valor correto aos desafios que os EUA e seus aliados enfrentam ao redor do mundo. Estamos em meio a proliferação de armas de destruição em massa, da ameaça do terrorismo, do aumento da beligerância na Rússia, dos problemas causados por [o presidente venezuelano] Hugo Chávez, pelo Irã e pela Coréia do Norte... obviamente este não é o mundo da Guerra Fria, mas tem suas ameaças e desafios e não acho que Obama tem o histórico necessário para lidar com eles.
A base da política externa americana deve ser a proteção dos valores e interesses dos EUA em todo o mundo. Um deles valores é a preocupação com nossos aliados, e a idéia de que o novo presidente vai poder chegar e ser um guardião platônico, observando o mundo como se fosse um seminário acadêmico, é muito incorreta. Ele vai ter que se preparar para escolhas muito difíceis em um ambiente perigoso, o que será piorado pela situação econômica.
As tentativas do Irã de conseguir armas nucleares, o problema árabe-israelense, o Hizbollah ficando mais poderoso no Líbano são exemplos de situações que se apresentarão muito rápido ao próximo governo. Os inimigos dos EUA vão desafiar o presidente, especialmente um tão inexperiente e ingênuo como Obama.
FOLHA - O que o sr. acha que deve ser feito nas relações dos EUA com a América Latina e o Brasil?
JOHN BOLTON - Todo presidente chega ao poder dizendo que vai melhorar essas relações e que a América Latina será uma prioridade, mas todos são distraídos por outras coisas no meio do caminho. Dada a ameaça apresentada por Chávez e as dificuldades econômicas gerais do mundo, acho que é ainda mais importante desta vez que o próximo presidente preste mais atenção na América Latina. E pela pura importância econômica e política do Brasil na região, essas relações têm que ser prioridade. Não é algo difícil. Lula e Bush trabalharam bem juntos, apesar de terem filosofias muito diferentes de governo, assim como passados políticos distintos.
FOLHA - Sobre a "guerra contra o terror", o sr. acha que o foco deve passar ao Afeganistão?
BOLTON - Estamos em guerras múltiplas e a idéia de que só podemos lutar uma de cada vez é errada. Na verdade, há provas hoje de que, com a Al Qaeda solidamente derrotada no Iraque --só restam uns poucos focos de resistência--, muitos membros foram para o Afeganistão. Esse não é um argumento para abandonar o Iraque, mas para vencermos em ambos e fazer o possível para destruir a Al Qaeda em todo o mundo.
Não acho que a questão exige necessariamente o aumento das tropas no Afeganistão. É preciso caçar e capturar terroristas muito bem escondidos na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão, e é preciso uma campanha mais agressiva contra as drogas no Afeganistão. Quanto ao Iraque, eu não consigo entender a posição de Obama, porque ela muda a toda hora. Mas acho que uma retirada precipitada teria conseqüências devastadoras em todo o Oriente Médio, dando ao Irã a chance de aumentar enormemente sua influência.
FOLHA - O comandante britânico no Afeganistão disse que a guerra não pode ser vencida e aventou a possibilidade de um "ditador aceitável no poder". O sr. concorda?
BOLTON - Acho que ele deveria ser demitido. Não se pode ter um general no comando que não acha que a guerra pode ser vencida. Reconheço que nem todos os países vão adotar um sistema de governo igual ao dos EUA ou do Reino Unido, mas não estamos no negócio de instalar ditadores.
FOLHA - Antes e depois de ser embaixador na ONU, o sr. criticou as Nações Unidas. Qual deveria ser o papel do organismo?
BOLTON - Nem em seus melhores dias, a ONU não fará mais do que refletir a realidade geopolítica do mundo. Se houver dissenso sobre a natureza dos problemas que enfrentamos e sobre suas soluções, é muito pouco realista esperar que a organização vai poder fazer algo a respeito. A ONU tem muito pouca utilidade. Se isso for mantido em perspectiva, poderemos parar de atribuir à organização tarefas além de suas competências, o que acontece com muita freqüência.
Nunca fui muito fã da idéia de que é preciso ter consenso para agir. A exigência de consensos faz com que as resoluções do Conselho de Segurança da ONU não passem de fumaça. Consenso simplesmente não é um processo decisório eficaz, na maioria das vezes só alcança um denominador comum insuficiente. E, para os EUA, o denominador comum é baixo demais para solucionar os problemas.
Em 2003, nunca pensei que precisávamos de aprovação da ONU. O Iraque já violava resoluções, e se um país não cumpre suas obrigações, os outros ficam desobrigados de cumprirem as suas. O fato é que as pessoas têm visões muito seletivas de quando é que os EUA podem agir ao largo da ONU. No fim dos anos 1990, ninguém se importou com o ataque contra o ditador Slobodan Milosevic na Sérvia. Há um preconceito contra os EUA e Israel na ONU. As pessoas usam as Nações Unidas para tentar contrabalançar os EUA, e são livres para fazer isso. Mas todas os países-membros usam a organização para avançar seus interesses, e nós somos os únicos criticados.
FOLHA - Olhando para trás hoje, o que o sr. gostaria de ter feito diferente em suas participações no governo Bush?
BOLTON - Gostaria de ter persuadido mais gente de que o Irã é uma ameaça que precisava ser abordada mais cedo, de que a Coréia do Norte nunca entregaria voluntariamente suas armas nucleares e de que negociações com esses dois países não serão bem sucedidas.
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