Blair admite que ignorou alertas de conselheiros sobre invasão ao Iraque
O ex-primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair voltou a depor nesta sexta-feira e admitiu que ignorou as advertências do procurador-geral do Reino Unido sobre a ilegalidade de invadir o Iraque sem o respaldo expresso da ONU (Organização das Nações Unidas). Ele justificou dizendo que considerava um conselho meramente "provisório".
À comissão que investiga o processo político que levou o Reino Unido a participar da guerra, Blair disse acreditar que o principal advogado do país mudaria eventualmente de opinião.
Em janeiro de 2003, o então procurador-geral do Estado, Peter Goldsmith, advertiu duas vezes Blair de que a resolução 1441 da ONU não era suficiente para justificar o uso da força contra o Iraque. Em 7 de março, Goldsmith mudou de opinião.
Alastair Grant/AP | ||
Ex-premiê Tony Blair chega pela porta da frente em inquérito sobre a decisão de invadir o Iraque |
Blair argumentou que, naquele momento, "ainda não tinha pedido formalmente assessoria legal, nem ele (o Goldsmith) tinha chegado ao ponto de dá-la". "Por isso mantive minha posição de que não era preciso uma segunda resolução", explicou, na carta.
"Achava que, uma vez conhecido o histórico de negociações britânico, mas sobretudo americano, concluiria que a 1441 significava precisamente o que dizia: que Saddam [Hussein] tinha uma última oportunidade e que, se não o fizesse [provasse que seu país não armazenava armas nucleares], estaria infringindo as condições, o que por sua vez revivia anteriores resoluções que autorizavam o uso da força", acrescentou.
Na terça-feira passada (18), Goldsmith disse perante a mesma comissão que o ex-primeiro-ministro o excluiu de deliberações importantes sobre a legalidade da Guerra do Iraque, algo que este admitiu hoje ter feito ao afirmar que poderia tê-lo incluído mais no processo.
MAIS DO MESMO
O presidente da comissão, John Chilcot, enviou por escrito mais de cem perguntas complementares antes da sessão, que tinha como objetivo, segundo o parlamentar, "esclarecer" as declarações feitas até agora por Blair.
Mas na metade do interrogatório, exibido ao vivo pelos canais de televisão, o tom pareceu menos inquisitivo e as respostas menos abrasivas que na polêmica sessão de 29 de janeiro de 2010.
O trabalhista, que governou de 1997 a 2007, não mudou a linha de argumentação e não apresentou elementos novos.
Facundo Arrizabalaga/Efe | ||
Manifestante usa máscara de Blair em protesto contra o premiê, que teria ignorado conselheiros |
Blair se negou ainda, contra a opinião de Chilcot, a autorizar a publicação de sua correspondência privada com o ex-presidente americano George W. Bush, referente ao período em que os dois teriam decidido por uma "mudança de regime" no Iraque. A discussão ocorreu durante uma reunião no rancho texano de Bush, em abril de 2002, 11 meses antes da invasão.
Blair afirmou que "as notas ao presidente Bush eram privadas". "Foram redigidas quando queria obter uma mudança ou um ajuste político. São confidenciais", explicou Blair. "E estas notas coincidem essencialmente com as declarações que expressei em público".
Interrogado pelas declarações que são atribuídas a ele, o carismático ex-premiê negou ter afirmado ou escrito "George, seja qual for sua decisão, eu o acompanharei".
MANIPULAÇÃO
Como em janeiro de 2010, os debates desta sexta-feira giraram em torno de três perguntas chaves: a guerra era legal sem uma resolução explícita da ONU? Blair manipulou deliberadamente a opinião pública sobre a presença nunca comprovada de armas de destruição em massa (ADM) iraquianas, que justificaram a entrada na guerra? Qual foi a realidade da aliança de Blair (apelidado então de "poodle de Bush" pelos detratores) com os neoconservadores americanos?
No ano passado, Blair afirmou que não se arrependia de ter envolvido o Reino Unido em uma guerra contra "o monstro Saddam Hussein", uma "decisão justa" que ele disse que voltaria a tomar.
"O regime de Saddam era brutal, era uma ditadura militar repressiva. Constituía uma fonte de instabilidade e de perigo para a região", afirmou nesta sexta-feira.
Blair entrou em 2010 por uma porta lateral para não enfrentar os manifestantes e os jornalistas. Desta vez, no entanto, entrou pela porta principal e até posou por alguns segundos para os fotógrafos, enquanto 20 manifestantes gritavam "Bliar", um jogo de palavras entre "liar" (mentiroso em inglês) e seu sobrenome.
Um dos manifestantes, Peter Brierley, que perdeu o filho no Iraque, pediu que o ex-premiê seja julgado como "criminoso de guerra".
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