Ativista indiano diz ter libertado 80 mil crianças do trabalho escravo
O ativista indiano Satyarthi Kailash, 58, conta ter salvo 80 mil crianças do trabalho escravo em seu país nos últimos 30 anos. Membro da ONG americana Centro de Vítimas de Tortura, ele não carrega armas. Indicado ao Nobel da Paz em 2006, sofreu vários atentados --represálias de exploradores que usam crianças na prostituição, agricultura e mineração.
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"A minha luta contra o trabalho escravo infantil começou há 30 anos. Nesse tempo, aprendi coisas importantes. Uma delas é que essas crianças têm enorme poder de mudar as vidas delas. Basta que lhes deem educação, cuidados médicos e psicológicos.
Para mim, se a criança é escrava e eu a estou resgatando, não estou fazendo um ato misericordioso para ela. Estou lavando meus pecados. Minhas roupas sujas. Libertando essas crianças, nós nos libertamos. É o que eu sinto.
Ainda temos 215 milhões de crianças trabalhando.
O tráfico de crianças é o terceiro maior mercado ilícito do mundo. Perde só para venda ilegal de armas e de drogas, que oscilam nas primeiras colocações. Todos os anos, US$ 46 bilhões [cerca de R$ 92 bilhões] são movimentados pelo tráfico humano.
A maior parte desse volume se deve ao tráfico de crianças. Os governos não estão fazendo o esforço necessário.
No mundo ilegal está a máfia. Pessoas perigosas. Sou inimigo deles. Já apanhei bastante por isso. Sofri mais de dez atentados. Quebrei as costas, a perna, a cabeça.
Hoje ando com um segurança ao meu lado, mas não o levo para missões de resgate, porque se levo uma arma comigo, os escravocratas chegam com dez. Fui levado ao hospital algumas vezes, por pessoas que não conheço, após apanhar da máfia, no meio da rua. Acho que um dia farei um livro sobre as vezes que quase morri.
Todas as crianças que eu e meus colegas libertamos foram marcantes para mim, mas não lembro o nome de todas, foram 80 mil. Me lembro sempre de uma delas, porque a história é muito comovente.
Ela tinha 6 anos quando foi libertada e trabalhava desde os 4, quebrando pedras. Os pais e avós também eram escravizados. Quando pequenos, os avós dela foram sequestrados. Tiveram filhos, que tiveram filhos. Incluindo essa menininha. Nenhum deles chegou a conhecer o mundo fora daquela área.
Ao descobrirmos a situação, eu e um grupo de voluntários fizemos o resgate, de madrugada. Era a hora em que o guarda, que ficava armado, ia ao banheiro e tomava banho, em um lugar mais afastado. Entramos e resgatamos todos. As crianças vieram no meu carro.
Em operações muito arriscadas eu mesmo dirijo, porque o motorista pode ser corrompido, me deixar em algum lugar para que me matem ou simplesmente fugir de medo e levar as chaves do carro, como já ocorreu uma vez.
As crianças estavam aos prantos. A ajuda era um choque para elas, que nunca tiveram amor ou respeito. Elas só tinham visto exploração e abuso. Mas vieram conosco.
Pouco depois a menina me perguntou: "Por que você não veio antes?". E aquela pergunta foi tão pesada. Acho que ela vale para todo mundo. Por que não agir agora, se há urgência, se é preciso acabar com isso? Eu sei que vou morrer, então prefiro que seja ajudando alguém e não de febre, deitado na cama.
As pessoas comuns podem ajudar sendo consumidores conscientes. Não comprando produtos vindos de mão de obra escrava. Grandes marcas contratam fornecedores que usam essa mão de obra."
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