Turquia e Rússia reagem com fúria a revelações de espionagem no G20
Rússia e Turquia fizeram críticas fortes ao governo britânico e exigiram explicações, depois de ser revelado que seus políticos e autoridades seniores foram espionados e grampeados durante a cúpula do G20 em Londres em 2009.
O Ministério do Exterior de Ancara considerou inaceitável que o governo britânico tenha monitorado telefonemas e os computadores do ministro turco das Finanças e até 15 outros integrantes de sua delegação em visita ao Reino Unido. Se for confirmado, disse o Ministério, a operação de monitoramento de um aliado na Otan é "escandalosa".
O Ministério convocou o embaixador britânico em Ancara para ouvir pessoalmente a reação de fúria da Turquia. Um porta-voz no Ministério do Exterior leu um comunicado oficial dizendo: "As alegações feitas no 'Guardian' são altamente preocupantes.
Num momento em que a cooperação internacional depende de confiança, respeito e transparência mútuos, tal comportamento por parte de um país aliado é inaceitável."
O "Guardian" revelou que a agência secreta de espionagem eletrônica britânica, GCHQ, monitorou Mehmet Simsek, ministro das Finanças turco e ex-executivo do banco Merrill, durante uma reunião do G20 para discutir economia promovida em Londres em setembro de 2009.
A agência também teria considerado a possibilidade de monitorar as comunicações de 15 participantes da equipe do ministro e do banco central turco, cujos nomes foram citados. Não está claro se algum dos membros da equipe acabou sendo monitorado ou não.
O objetivo era obter informações sobre a posição turca em relação à reforma da infra-estrutura financeira global, na esteira da crise mundial dos bancos.
As revelações acontecem num momento delicado para as relações turco-britânicas. O primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, acusa a mídia internacional, e em especial a BBC, de ter fomentado os protestos e turbulência violenta contra seu governo. Erdogan já falou várias vezes em uma suposta "conspiração internacional".
Em Moscou, autoridades russas disseram que a revelação feita pelo "Guardian" de que espiões americanos tinham interceptado comunicações ultrassecretas de Dmitri Medvedev numa cúpula do G20 em Londres em abril de 2009 vai prejudicar mais ainda o relacionamento EUA-Rússia, já conturbado, e lançar uma sombra sobre a cúpula do G8 que acontece na Irlanda do Norte nesta segunda e terça-feira.
Os detalhes sobre a espionagem, apresentados num briefing redigido pela Agência de Segurança Nacional (NSA) americana, foram vazados pelo denunciante Edward Snowden e divulgados pelo "Guardian" na noite de domingo.
Os documentos mostram que espiões dos EUA no Reino Unido espionaram Medvedev, então presidente e atual primeiro-ministro da Rússia.
A porta-voz de Medvedev, Natalya Timakova, não comentou o assunto. Mas, falando na mídia estatal, autoridades seniores russas disseram que as revelações agravaram o clima de desconfiança entre os EUA e a Rússia, cujas relações já caíram para o ponto mais baixo no desde o fim da Guerra Fria, após um período breve e em grande medida malsucedido de "reinício" durante os quatro anos de Medvedev no comando do Kremlin.
As revelações foram a notícia que teve maior destaque no Russia Today, o canal de TV internacional de propaganda política do Kremlin.
O assunto também teve destaque em outros veículos. A emissora doméstica NTV, pertencente à estatal do gás Gazprom e operada pelo Kremlin, comentou: "O escândalo de espionagem lançou uma sombra sobre a abertura da cúpula do G8 hoje".
Enquanto isso, ex-espiões russos de alto nível sugeriram que o comportamento de seus equivalentes americanos e britânicos foi de mau gosto. "Desde um ponto de vista técnico, espionar quem negocia no território de um país não encerra grandes dificuldades", observou Nikolai Kovalev, ex-diretor da FSB, a poderosa agência de espionagem doméstica da Rússia.
Mas, acrescentou: "Para evitar escândalos diplomáticos e internacionais, as agências de segurança são proibidas de fazer isso. E normalmente não fazem."
Escândalos de espionagem afetam a Rússia e os EUA há anos. No mês passado a Rússia expulsou um funcionário da embaixada dos EUA em Moscou, acusando-o de ser espião da CIA, e em 2010 os EUA desbarataram uma rede de espiões russos posicionados em vários pontos do país.
Mas a notícia da espionagem de alvos de alto nível em um país terceiro acontece num momento em que Putin vem priorizando o atiçamento do sentimento antiamericano. Os dois países continuam em desacordo em relação à Síria, e Putin já acusou repetidas vezes o Departamento de Estado americano de financiar e dirigir a oposição a ele em casa.
A África do Sul, outro país aliado que foi alvo de espionagem na cúpula de 2009, não respondeu aos pedidos de entrevista. Mas, segundo o editor de um jornal nacional, o artigo do "Guardian" sobre como o Reino Unido monitorou diplomatas sul-africanos "parece um livro de John le Carré".
As revelações também foram noticiadas num despacho da South African Press Association, segundo o qual "documentos vazados pelo ex-espião americano Edward Snowden parecem indicar que o Reino Unido monitorou delegados ao G20 durante encontros em Londres em 2009, divulgou o jornal britânico 'Guardian' na segunda-feira".
A notícia foi transmitida no popular Talk Radio 702, mas, com essa exceção, não recebeu destaque na mídia nacional num dia que é feriado na África do Sul, lembrando o aniversário da revolta de Soweto em 1976.
Tradução de CLARA ALLAIN
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis