Análise: Drama no Egito se desenrola seguindo roteiro conhecido
O Cairo está passando pelo terceiro ato da paixão revolucionária, aquele no qual a euforia das ruas se depara com as armas dos militares.
Por enquanto, os dois lados estão trocando um abraço fraternal.
Os soldados, trazendo aos ombros a bandeira tricolor do país, são recebidos como heróis do povo, como aqueles que libertaram a população de opressores disfarçados em libertadores.
É um momento de festa e fogos de artifício. Desta vez tudo será diferente.
Mas nunca é. O primeiro ato é a "Concretização do Impossível": o poder autocrático por muito tempo visto como indestrutível se desintegra de dentro para fora, e a crise é adiantada quando o governo termina paralisado pelo imenso número de almas que tomam as ruas.
O segundo ato desanima um pouco, e vai adiante em forma de "Divisão dos Vitoriosos", com cada parte alegando personificar os objetivos da revolução, ainda que as metas de cada grupo estejam em conflito inconciliável.
Uma facção fica por cima, e promete, com a mão no coração e o olhar voltado à Providência lá em cima, respeitar a liberdade e as opiniões dos oponentes.
Logo em seguida, age para esmagá-los e monopolizar o poder.
Os perdedores se resignam ao papel de oposição leal, até o momento em que percebem que sua sobrevivência mesma está em jogo.
A parte tediosa --redigir constituições, depositar votos, fazer discursos-- vai se desenrolando, mas parece cerveja chocha quando comparada à embriaguez deslumbrante da comunhão com as massas.
O primeiro ato é como o agitar de uma varinha de condão. A liberdade fará com que chovam pães e peixes; ninguém governará a não ser em nome do povo unido; os congestionamentos de trânsito do Cairo serão coisa do passado. Espantosa, revoltante e imperdoavelmente, nada disso se materializa.
Um ano inteiro se passou e a vida de ninguém está melhor. Que escândalo!
É evidente que o mago era um trapaceiro.
Hora de tirá-lo de cena.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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