Portugal vive sua maior crise demográfica
Portugal vive a crise demográfica mais grave de sua história. O país pode perder 1 milhão de habitantes em 10 a 20 anos --quase 10% de sua população de 10,6 milhões.
"É catastrófico", diz João Peixoto, professor da Universidade de Lisboa. "A crise demográfica em Portugal é muito grave, porque junta motivos estruturais, como a queda da taxa de fecundidade, e conjunturais, as emigrações por causa da crise."
Cerca de 100 mil portugueses emigram por ano desde 2010, segundo o governo.
São os mais qualificados e mais jovens que deixam o país. Gente como o economista Alexandre Abreu, 34, que vai trabalhar em Timor Leste por dois anos.
Ele fez faculdade e mestrado na Universidade de Lisboa e doutorado na Universidade de Londres, estudando migrações e a crise do euro. Grande parte dos seus estudos foi custeada por bolsas do governo português.
Editoria de Arte/Folhapress |
Há dois anos voltou da Inglaterra, mas não consegue emprego fixo em Portugal, porque as vagas foram congeladas no plano de austeridade. Com contrato de meio período, ganhava € 1.000 por mês (cerca de R$ 3.000).
"Tentei ficar, mas, com esse contexto de crise, não consegui. Fomos subsidiados pelo governo para atingir essa formação avançada e agora não há empregos aqui."
O declínio da natalidade é antigo na Europa, mas era parcialmente compensado pelos imigrantes, que têm número maior de filhos.
Portugal teve queda forte na taxa de fecundidade, hoje em 1,28 filho por mulher. E a crise demográfica do país é mais grave que a de outras nações europeias porque se alia à onda de emigração de mão de obra qualificada.
"A crise agravou a queda de fecundidade, porque, quanto maior a instabilidade na vida profissional, menor a vontade de ter filhos", diz o demógrafo Jorge Malheiros, da Universidade de Lisboa.
Os nascimentos vêm caindo. Foram 96.856 em 2011, 89.841 em 2012 e a estimativa para este ano é de 80 mil.
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, o número de mortes em Portugal foi 11.868 superior ao de nascimentos entre janeiro e abril deste ano. Associado às emigrações, o país encolhe a taxas aceleradas.
"Só não emigram mais portugueses porque outros países também estão em crise", diz o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário.
A maioria emigra para outros países da Europa, aproveitando-se do espaço Schengen. França, Reino Unido, Luxemburgo e Alemanha são os principais destinos.
Em 2012, calcula-se que Angola tenha recebido 30 mil portugueses, Moçambique, 5.000, e o Brasil, 2.171.
Além de Portugal, também Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Hungria e Romênia encolheram em 2011.
"A longo prazo, nenhum país consegue ter crescimento econômico forte com regressão demográfica; um país que perde população não tem dinamismo", diz Jorge Malheiros.
Segundo dados do Eurostat, Portugal tem a quarta maior porcentagem de população com 65 anos ou mais da UE: 19,4%. Perde apenas para Alemanha, Itália e Grécia.
"E os jovens são mais capazes de assumir riscos, de empreender, então, ao se perder jovens, perde-se capacidade de inovação no país", diz o demógrafo.
Patricia de Melo Moreira - 2.jul.13/AFP | ||
Homem usa megafone durante protesto contra o governo português em Lisboa, em julho |
"A mobilidade de quadros é positiva, desde que eles voltem. Hoje não temos forma de atraí-los de volta", acrescenta José Cesário.
A taxa de desemprego de Portugal foi de 17,4% em junho. Mas entre os jovens (abaixo dos 25 anos) é bem mais grave --está em 41%.
"Portugal sempre foi um país de emigrantes --emigrar não dói, não aleija, e todos têm um emigrante na família", diz João Vasconcelos, diretor da Startup Lisboa, que reúne 40 empresas de alta tecnologia e estimula o empreendedorismo. "Mas agora é diferente: todos os melhores alunos, nossa elite, têm como primeira, segunda e terceira opção emigrar".
A jornalista PATRÍCIA CAMPOS MELLO viajou a convite da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, da Tap e do grupo Dom Pedro
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