Análise: Convulsões no mundo árabe são dolorosas, mas também inevitáveis
Na Líbia, milícias armadas preencheram o vazio deixado por uma revolução que depôs um ditador. Na Síria, um levante popular transformou-se em guerra civil que já deixou mais de 100 mil mortos e atrai extremistas islâmicos. Na Tunísia, divisões políticas cada vez mais acirradas atrasam uma nova Constituição.
Agora, no Egito, muitas vezes visto como o país que define tendências no mundo árabe, militares, após derrubarem o presidente islâmico eleito, matam centenas, declaram estado de emergência e acirram a polarização.
Para analistas, a estagnação política e econômica, em décadas de governos autocráticos, deixou os países árabes pouco equipados para construírem novos governos e uma sociedade civil.
Enquanto alguns movimentos alcançaram os objetivos iniciais, afastando líderes que ocuparam o poder por muito tempo em quatro países, suas metas mais amplas -democracia, dignidade, direitos humanos, igualdade social e segurança econômica- parecem mais distantes que nunca de se concretizar.
Sob muitos aspectos, a Primavera Árabe exacerbou divisões sociais profundas entre secularistas e islâmicos.
Na Tunísia, o partido moderado islâmico no poder não obtém consenso para redigir uma nova Constituição, e líderes oposicionistas vêm sendo assassinados.
No reino do Bahrein, a força avassaladora empregada pela monarquia sunita reinante não conseguiu até agora silenciar a maioria xiita.
Em toda a região, a turbulência até agora não trouxe respostas às reivindicações de milhões de cidadãos que clamam por emprego, comida, saúde e dignidade humana básica. Pelo contrário, as queixas até se agravaram.
Transformações políticas fundamentais podem levar gerações. A Primavera de Praga (1968) pode ter fracassado, mas catalisou transformações no Leste Europeu que levaram à queda da URSS.
As revoluções europeias de 1848 afetaram mais de 50 países, mas desabaram em pouco tempo sob a repressão de Forças Armadas leais a realezas e aristocracias. Mas plantaram as sementes das ideias progressistas que ajudariam a moldar a história europeia nos cem anos seguintes.
Com as autocracias repressoras dos países árabes, as convulsões no Egito e em outros países são dolorosas, mas inevitáveis.
Tradução de CLARA ALLAIN
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis