Análise: Itamaraty sofre processo de esvaziamento no atual governo
Sem adentrar o mérito humanitário ou jurídico do resgate do senador boliviano, fato é que a operação (aparentemente, não autorizada pela cúpula do Itamaraty ou pelo Planalto) causou mal estar entre os homens da corporação diplomática nacional.
O cerne do problema está no que a ação desvelou: o deficit de liderança na Casa de Rio Branco.
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Diplomatas são também conhecidos como "os militares de terno e gravata", tal é o apreço que demonstram por hierarquias e cadeias de comando.
Quando a orientação da chefia não é seguida à risca, fabrica-se a fórceps a obediência. Basta lembrar a circular postal emitida, em 2001, pelo então ministro Celso Lafer, que proibia posicionamentos públicos de membros do serviço exterior sem o prévio assentimento do ministério.
Já no governo de Lula, foram publicadas pelo Itamaraty cartilhas que descreviam a posição do Brasil em relação a um rosário de temas, a fim de uniformizar as falas e as ações.
Essa carência de liderança institucional repercutia em diversos níveis. Havia arestas no relacionamento entre a presidente da República e o seu ministro do Exterior, do que foi consequência do achatamento político do Itamaraty. Daí decorreu, por exemplo, o contingenciamento das verbas ministeriais e a dificuldade para realizar, em 2013, o concurso anual para admissão de novos diplomatas.
E o dilema não se restringiu à articulação da chancelaria com a chefia do Executivo. Reportaram-se também sérios equívocos de gestão e cálculo político no Ministério das Relações Exteriores.
O acatamento relutante da Lei de Acesso à Informação, a revelação dos supersalários de servidores lotados no estrangeiro, os recentes escândalos de assédio sexual e moral e a denúncia sobre "funcionários fantasmas" no interior da corporação compuseram quadro que, decididamente, não era abonador para Patriota.
Não por acaso, propostas oficiais para o esvaziamento de competências do Itamaraty têm tramitado. Fala-se em Brasília, por exemplo, da possível criação de uma agência governamental com habilitação exclusiva para coordenar o comércio internacional do Brasil e da provável desvinculação entre a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e o Itamaraty.
Como no conto de Andersen, o caso do senador boliviano refugiado no Brasil trouxe à baila uma verdade inconveniente -mas que, a rigor, todos já conheciam. Não será exagero dizer que a ocasião fez a insubordinação.
DAWISSON BELÉM LOPES é professor de política internacional e comparada da UFMG e autor de "Política externa e democracia no Brasil" (Ed. Unesp, 2013)
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