Ucraniano que mora perto da fronteira russa relata vida em meio à guerra
O ucraniano Vladimir Gudkov, 28, vive em Makiivka, cidade a 20 km de Donetsk. Por causa do conflito entre rebeldes e forças ucranianas, está sem salário e já pensa em deixar a região, como fizeram outros amigos.
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Moro num vilarejo com minha mulher, grávida de cinco meses, meus pais, minha avó e uma tia. Todas as noites, escutamos ataques aéreos do conflito do governo da Ucrânia com os separatistas [pró-Rússia].
Ontem mesmo (21), dormimos sob barulhos de explosões. Já me acostumei. O porão da casa está pronto, para o caso de precisarmos usá-lo como um abrigo antibombas.
O conflito mudou a vida de todos nós, na região de Donetsk. As pessoas estão perdendo seus empregos e indo embora para outras áreas da Ucrânia ou para a Rússia.
Tenho vários amigos que já saíram daqui. Um deles deixou a casa para trás. Está vazia, ao lado da minha. É muito triste tudo isso.
Trabalho como vendedor de cigarros há um ano e meio e estou desde o mês de junho passado sem receber salário. A empresa diz que não tem mais dinheiro para nos pagar. Eu recebia € 300 por mês (cerca de R$ 900).
Meu irmão, que tem salário de € 70 como policial de trânsito, também está sem receber. Nem trabalha mais direito porque, com os rebeldes no controle da cidade, nenhum policial pode atuar.
Leandro Colon/Folhapress | ||
Vladimir Gudkov, que fez do porão um abrigo antibombas |
Não quero deixar minha terra, mas, com a cidade controlada pelos separatistas, a economia vai sofrer e não teremos emprego. Donetsk era uma cidade rica, é difícil aceitar isso. Um amigo meu foi para Moscou e disse que lá posso arranjar trabalho.
Agora, sinceramente, eu concordo que Donetsk não deveria fazer parte do território da Ucrânia. É um erro histórico, porque a maioria, aqui, sempre preferiu ser parte da Rússia. E esse sentimento só aumenta na população quando o governo da Ucrânia ataca a região e mata moradores.
Na minha opinião, os Estados Unidos são os grandes culpados por tudo isso, porque não querem que a região fique ligada à Rússia. Fariam o mesmo se fosse o Brasil.
A solução é parar a guerra, sentar e tentar buscar uma saída. Se o cenário não mudar e eu não conseguir ir embora, não descarto pegar em armas. Nunca atirei, não sei fazer isso, mas é a minha terra, e eu preciso defendê-la.
Posso garantir que a maioria dessas pessoas que estão com armas na mão não é politizada, não sabe bem o que é o movimento separatista. O que elas querem é comida e emprego e acham que o presidente russo, Vladimir Putin, pode dar isso.
Você pode não concordar com o que vou dizer, mas eu acho que não precisamos de democracia, precisamos de oportunidade de trabalho, emprego, comida. Na Rússia, você não tem uma democracia plena, mas a vida é melhor.
Eu nasci em 1986, portanto era muito pequeno e não me lembro da União Soviética. Mas o meu pai, atualmente aposentado, nasceu e viveu durante aquele período. E ele não tem nenhuma dúvida de que a vida era muito melhor.
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