Israel sente-se derrotado na guerra
Como sempre acontece quando terminam, mesmo que provisoriamente, os combates entre palestinos e israelenses em torno da Faixa de Gaza, o Hamas, o grupo fundamentalista que a governa, comemora ruidosamente.
Aconteceu de novo nesta terça-feira (26) ao ser anunciado um cessar-fogo de duração indefinida.
Mas, desta vez, há um punhado de elementos para supor que, de fato, o Hamas ganhou. Começa pelo fato de que o público israelense, ao contrário dos palestinos, sente-se derrotado, conforme se deduz de pesquisa divulgada na véspera pelo Canal 2 da TV israelense.
O levantamento mostra que apenas 38% respaldam o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, enquanto 50% estão insatisfeitos.
A comparação com pesquisas anteriores é devastadora para o chefe de governo: no dia 21, o premiê era aprovado por 55% dos israelenses, porcentagem já substancialmente inferior aos 82% que Netanyahu obtinha no dia 23 de julho, logo após o início da invasão terrestre de Gaza.
Sua aprovação caiu, portanto, 44 pontos percentuais em pouco mais de um mês.
É óbvio que, se os israelenses se sentissem vitoriosos, estariam cantando glória ao governante, exatamente como o fazem os palestinos, inclusive na Cisjordânia, a área dos territórios palestinos em que é menor a penetração do Hamas.
Mas há outros dados que demonstram que Israel perdeu. O "Times of Israel" informa, por exemplo, que o gabinete israelense rachou ao discutir a aceitação ou não do cessar-fogo.
Netanyahu aceitou o acordo discutido no Egito, mas pelo menos três ministros - todos da extrema-direita - foram contra, a saber: Naftali Bennett (Economia), Avigdor Liberman (Relações Exteriores) e Yitzhak Aharonovitch (Segurança Pública). Um quarto ministro teria feito reservas (Gilad Erdan, das Comunicações).
Parece claro que, se o acordo tivesse sido submetido a uma votação, o que não ocorreu por não ser obrigatório, Netanyahu teria sido derrotado.
Nesse cenário, vai ser difícil para ele conduzir o pós-guerra, ainda mais que estará sob pressão dos moradores das redondezas da fronteira com Gaza, 70% dos quais tiveram que deixar suas casas ante a sucessão de ataques do Hamas, antes como durante o conflito agora suspenso.
A suspeita de que o desfecho não foi favorável a Israel permeia texto de David Horovitz, criador do "Times of Israel", que apoiou a operação em Gaza desde o seu início:
"Se o Hamas não for marginalizado, se se provar capaz de reconstruir seus túneis, restabelecer seu estoque de foguetes e conceber novas estratégias em busca de sua meta de aniquilar Israel, a estratégia israelense para este conflito terá sido um fracasso e a popularidade do primeiro-ministro estará longe de ser a principal preocupação de Israel", escreveu Horovitz nesta terça-feira, 26.
Como Gaza foi semi-destruída e milhares de palestinos morreram, como o Hamas pode cantar vitória e Israel sentir-se derrotado?
Uma explicação está em texto de Daniel Byman (Georgetown University): "O Hamas quer provar que pode exercer o poder efetivamente".
Como foi mantido no poder em Gaza, como não se determinou a desmilitarização da Faixa (ao contrário do que pretendia Israel) e como o acordo estabelece o levantamento do bloqueio em vigor desde 2006, mais do que antes o Hamas pode exercer o governo e continuar a perseguir a meta de destruir Israel.
Já Israel, sempre segundo Byman, "nunca desejou reocupar Gaza. Fazê-lo seria um desastre diplomático, exigiria que Israel cuidasse dos residentes de Gaza e os governasse, e forçaria Israel a lutar contra uma pulverizada campanha de contra-insurgência [guerrilha, para todos os efeitos práticos] contra o Hamas e outros grupos milicianos".
A modesta meta israelense era, como desde o início afirmava o governo, conseguir silenciar os foguetes do Hamas.
Conseguiu, mas as reações do público manifestadas na pesquisa do Canal 2 e também de membros do governo demonstram que não há confiança de que o "front" de Gaza ficará silencioso por muito tempo.
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