Análise
Para Israel e Arábia Saudita, fim do isolamento do Irã é indigesto
O arcabouço da guerra de narrativas que circunda o acordo nuclear entre o P5+1 e o Irã está envolto por três prismas e com parcial antagonismo na concepção de cientistas nucleares, diplomatas e políticos.
Os cientistas que delinearam o plano de ação praticamente reconfiguraram os parâmetros e dimensões do programa nuclear iraniano. Os diplomatas moldaram com precisão o calendário temporal de implementação e as etapas das inspeções. Aos políticos restou a tarefa de nortear a escalada retórica. Nesse contexto, cada ator busca interpretar ao seu modo a eficácia ou a inviabilidade do acordo.
Para iranianos, a centralidade do acordo consistia em preservar seu direito, como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, à tecnologia nuclear para fins pacíficos e, logo, o reconhecimento da legitimidade do próprio programa.
Da perspectiva da segurança coletiva regional e internacional, o acordo é um avanço efetivo. Sob qualquer ângulo analítico, é possível concluir que o arcabouço do acordo é amplo, complexo e bem delineado. A remoção das sanções será de modo escalonado e condicionado ao sucesso da implementação do acordo assinado em Viena.
No entanto, o descontentamento de alguns países, como Israel e Arábia Saudita, não está intrinsecamente atrelado aos meandros técnico-científicos do acordo, mas sim, ao formato do entendimento das potências ocidentais com Teerã e às consequências políticas derivadas do acordo sobre a geopolítica do Oriente Médio.
Na concepção de Riad e Tel Aviv, quaisquer que fossem os parâmetros do pacto nuclear, seus desdobramentos confluiriam para resgatar Teerã do isolamento internacional, alavancando a influência política do Irã nos contextos global e regional.
Israel e Arábia Saudita demonstram objeção ao acordo não pelo real risco militar que os iranianos podem representar à sua segurança, mas pelo fracasso de sua sistemática política de manter o Irã como Estado pária no sistema internacional. Ver os iranianos reinseridos por Washington na comunidade internacional é indigerível na visão israelense e saudita.
A compassiva paz fria entre Israel e os principais países árabes, nas últimas duas décadas, fora estratégica e funcional para a manutenção do status quo regional, pois o equilíbrio de poder regional dava a três países a primazia geopolítica da agenda do Médio-Oriente: Arábia Saudita, Egito e Israel. Contudo, a expansão da influência iraniana no mundo árabe desafia, especialmente, o poderio de Riad e Tel Aviv.
O erro tático israelo-saudita estava no teto das demandas impostas, infactíveis e descompassadas com os padrões mínimos de equilíbrio diplomático que a negociação requeria: 1) decretar um perene bloqueio a aquisição de armamentos; 2) total desmantelamento do programa nuclear.
Primeiro, Teerã concordou com a manutenção das sanções impostas ao comércio de armas convencionais no prazo de cinco anos e aceitou, ainda, a imposição de quarentena sobre a aquisição de mísseis balísticos por oito anos. Segundo, e mais importante elemento contemplado no acordo, é a aceitação por parte do Irã de inspeções em suas instalações militares, demanda antes considerada inaceitável.
Para os mais céticos, a opção remanescente é a de torpedear o acordo junto ao Congresso dos Estados Unidos. No entanto, será difícil para o lobby pró-Israel e pró-saudita angariar dois terços dos votos para a derrubada do acordo. E caso aconteça, o preço político para os EUA na arena internacional será substancial.
Enquanto todos procuram maximizar seus ganhos, políticos dos partidos democrata e republicano estão operando intensamente para angariar apoio financeiro de olho nas primárias presidenciais, em 2016, defendendo a rejeição do acordo iraniano.
Para a Casa Branca, a aliança dos EUA com Israel e Arábia Saudita está se tornando disfuncional para a estabilização do Oriente Médio. Por isso, Barack Obama segue firme na implementação de sua doutrina de política externa: para os Estados Unidos preservarem o seu poder Mundial é necessário um engajamento construtivo com antigos inimigos. Até o momento, Cuba e Irã corroboram essa assertiva.
HUSSEIN KALOUT é cientista político e pesquisador da Universidade Harvard.
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