Pinochet acobertou assassinato de manifestante, apontam documentos
Documentos dos EUA publicados nesta sexta-feira (31) indicam que o então ditador chileno Augusto Pinochet acobertou a participação de militares na morte de um manifestante em 1986.
Rodrigo Rojas, 19, morreu após soldados jogarem gasolina sobre seu corpo e atearem fogo. A também manifestante Carmen Quintana, à época com 18 anos, que estava junto com Rojas, teve 60% do corpo queimado, mas sobreviveu. Com cicatrizes por todo o corpo, ela se tornou símbolo da luta pela democracia, obtida após a renúncia de Pinochet, em 1990.
Documentos do Departamento de Estado americano recém-abertos ao público citam uma fonte na força policial do Chile dizendo que um relatório interno da corporação havia sido apresentado a Pinochet, identificando os responsáveis pelo ataque aos jovens. O general, no entanto, se recusou a acreditar.
Os papéis foram publicados pela National Security Archive, uma organização não governamental com sede em Washington.
Martin Bernetti - 27.jul.2015/AFP | ||
Carmen Quintana, vítima de ataque de soldados que matou Rodrigo Rojas no Chile |
Segundo testemunhas, homens uniformizados, depois de atear fogo nos ativistas, os abandonaram em uma vala na periferia da capital, Santiago. O caso aconteceu durante uma manifestação, em 2 de julho de 1986.
Rojas, um fotógrafo que morava na capital dos EUA com a mãe, uma chilena exilada, morreu no hospital, quatro dias depois. Pinochet acusou ele e Quintana de serem terroristas que se queimaram com artefatos explosivos que eles mesmos produziram para jogar contra os soldados. O Exército negou qualquer envolvimento.
O jovem, cuja mãe, Veronica de Negri, havia sido torturada por integrantes do regime militar, estava em visita ao país natal.
Na época, o evento causou consternação e atraiu a atenção de grupos de defesa dos direitos humanos e governos. A administração de Ronald Reagan, então presidente norte-americano, exigiu uma investigação profunda e responsabilização judicial.
Os documentos que vieram à tona citam "uma fonte confiável de dentro dos Carabineros", a polícia nacional do país, afirmando que a apuração interna apontava como responsáveis "membros de uma unidade de patrulhamento de rua do Exército".
Os papéis ainda relatam que, além de a ação dos soldados ter sido deliberada, o diretor do hospital central barrou a transferência de Rojas para uma clínica melhor preparada para atendê-lo.
"Os arquivos confidenciais dos EUA ratificam o que eu tenho dito, junto com meus pais e advogados, por 29 anos: de que tudo isso foi orquestrado desde Pinochet",a firmou Quintana a repórteres. "Eles revelam a existência de um sistema institucionalizado de mentiras em crimes contra a humanidade e a sistemática política de acobertamento até o presente".
Os algozes permaneceram impunes até recentemente, quando um juiz indiciou sete ex-militares após o depoimento de um ex-soldado que quebrou o que seria um pacto de silêncio entre os envolvidos. O delator foi identificado como Fernando Guzmán.
De Negri afirmou à Associated Press que Guzmán lhe havia contado que, ao sair do Exército, ele tentou conversar com diversos políticos sobre o que havia acontecido, e queria depor, mas só foi autorizado no final do ano passado.
No total, 40.018 pessoas foram assassinadas, torturadas ou aprisionadas por motivos políticos durante a ditadura de Pinochet (1973-1990), de acordo com dados oficiais. O governo chileno calcula que 3.095 cidadãos tenham sido mortos.
Cerca de 70 oficiais das Forças Armadas estão presos por crimes contra a humanidade, e há outros 700 aguardando julgamento.
Pinochet morreu em 2006, sob prisão domiciliar, sem jamais ter sido julgado por acusações de enriquecimento ilícito e violações dos direitos humanos.
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