Em livro, jornalista narra história do 'imperialismo brasileiro' na África
Em 2010, a jornalista Amanda Rossi circulava por Moçambique ostentando orgulhosa a bandeira do Brasil numa mochila. Três anos mais tarde, o que antes abria portas e sorrisos tornou-se um fardo.
Ao entrevistar fabricantes de tijolos desalojados por uma mina de carvão da Vale no interior do país, tratou de esconder o objeto.
Essa intensa e contraditória relação entre os dois países é o tema de seu livro "Moçambique, o Brasil é Aqui". Moçambique abriga alguns dos principais investimentos econômicos e sociais do Brasil no continente africano e, como efeito colateral, desperta na mesma proporção reações exacerbadas de quem é atropelado no processo.
É em Moçambique que a pecha de "imperialista", à qual o Brasil ainda não está totalmente habituado, é ouvida com mais força.
Está na voz dos oleiros desabrigados pela Vale, dos produtores de frango assustados com a concorrência brasileira e na de camponeses temerosos com a marcha do agronegócio do Brasil que avança no norte do país.
telegramas
O filé mignon do livro são telegramas secretos do Itamaraty a que a autora teve acesso e que mostram a atuação do governo brasileiro em prol de empresas privadas, algo que levanta questionamentos em tempos de Lava Jato.
Parte deste material, ressalve-se, consiste de atividades legítimas de lobby oficial para ajudar a Vale a vencer a concessão para explorar uma mina de carvão em Moatize, no noroeste do país.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva surge empenhado em ajudar a mineradora, recebendo o presidente moçambicano em Brasília, despachando o chefe do BNDES ao país africano e anunciando o perdão de uma dívida bilateral.
A coisa cruza a fronteira da ética quando a embaixadora brasileira em Maputo faz gestões pela concessão de uma bolsa de estudos no Brasil à filha de uma autoridade moçambicana com poder de decisão sobre a concessão.
ANDANÇAS
O livro é rico em "cor local", fruto das andanças da autora pelo país e de suas conversas com moçambicanos comuns –alguns desconfiados, outros esperançosos quanto ao Brasil.
Há um abismo entre boas intenções e a realidade, que fica claro, por exemplo, no curso universitário oferecido pelo governo brasileiro baseado em aulas pela internet, ignorando o fato de que a rede mais "engasga" do que funciona no país.
Ou, ainda, na falta de local para armazenar grãos de um projeto capitaneado pela Embrapa, o que obriga que galpões sejam improvisados com lona azul.
De todas as relações da chamada pauta "Sul-Sul", a do Brasil com Moçambique é das mais sentimentais.
O livro recupera um episódio curioso: nos anos 70, com o país recém-independente, foi a doação de 46 discos de MPB pela embaixada do Brasil que manteve viva a rádio estatal, fazendo de Jorge Ben um artista superpopular por lá. Isso demonstra como a amizade entre os dois países, apesar das turbulências, é antiga e sólida.
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