Após Katrina, militante que construiu 3.000 casas vive sem água nem luz
Antigo membro do Panteras Negras, um militante que mobilizou 21 mil voluntários para reconstruir 3.000 casas destruídas pelo furacão Katrina vive hoje em uma casa em que faltam paredes, não há água corrente nem energia elétrica.
Malik Rahim, 67, viu ruir o seu esforço de reconstruir um bairro histórico de Nova Orleans diante do que considera ter sido mais um capítulo da "derrota inevitável na guerra racial americana".
Cheryl Gerber/The New York Times | ||
O ex-Pantera Negra Malik Rahim, da Common Ground, promoveu a construção de 3.000 casas |
Nos dias seguintes ao desastre, o militante criou uma associação chamada Common Ground (Terra Comum, em inglês), que ocupou o vácuo deixado pelo governo na assistência aos moradores.
Com a ajuda de voluntários, além de reerguer moradias, a Common Ground transformou um templo em um centro de assistência médica que Rahim estima ter salvado a vida de milhares de pessoas.
Um ano e meio depois, porém, o militante se afastou da organização. Um dos três fundadores viria a confessar ser um agente infiltrado do FBI, a polícia federal americana.
Brandon Darby atuava para desestabilizar o nosso grupo, diz Rahim, em conversa por telefone com a Folha. "Veja o quão baixo o governo pode chegar."
Para Rahim, as autoridades não aceitavam que uma mobilização daquele porte tivesse raízes no Panteras Negras, movimento radical do qual ele participou na luta contra a discriminação da população negra americana entre os anos 1960 e 1980.
A desmobilização social resultou numa deterioração da comunidade do Lower 9th Ward, bairro cuja história de ativismo começou no século 18, com o estabelecimento de escravos fugitivos.
Desde o Katrina, "o racismo piorou, o desemprego piorou, a desesperança piorou", lamenta Rahim.
O Lower 9th é um dos quatro bairros de Nova Orleans, no total de 72, que ainda têm menos da metade da população que tinha antes do furacão, de acordo com o "think tank" Data Center.
Segundo a organização, foi o mais atingido pela inundação, mas é um dos quatro que não receberam programas de moradia pública.
No bairro, mais de 5.300 casas foram destruídas. Muita gente partiu. Na família de Rahim, dos 200 membros, restaram 35.
Mas o militante não entregou os pontos. Ele continua incentivando os vizinhos a ter esperança e prega uma cooperação global para evitar que novos desastres ambientais aconteçam.
AMOR
Para Rahim, a única arma contra o racismo é o amor. E a evidência disso é a composição da equipe de voluntários naqueles meses depois do Katrina: 95% deles eram brancos, lembra.
"Eles atuavam em uma das áreas mais violentas do país, não por caridade, mas por solidariedade. Não só ajudaram a reconstruir casas, mas ouviam as pessoas atingidas, não porque estavam sendo pagos, mas por amor."
Aquela mobilização não existe mais. A região está ainda mais violenta. "As crianças que viram o que aconteceu com o bairro enquanto cresciam têm hoje 20, 25 anos e estão cheios de ódio", diz. "Metade deles está desempregada."
Rahim diz que "sempre rezou" pela eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Mas, hoje, considera Barack Obama uma frustração.
"Não há razão, absolutamente, para que, nos Estados Unidos, dez anos depois de um desastre, ainda haja pessoas tentando ter o mínimo, um teto."
Uma rajada de esperança veio da iniciativa do ator Brad Pitt, que, depois do furacão, fundou uma organização chamada "Make It Right" (faça direito) e construiu 109 casas ecologicamente corretas na cidade, 28 delas no Lower 9th.
"Foi um trabalho maravilhoso, mas, fora isso, você não vê nada além de desespero dos que foram esquecidos", diz Rahim.
Além de tudo, a ingratidão. "Ajudei meio milhão de pessoas e nunca recebi um centavo nem sequer um obrigado."
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