Análise
Apesar de prêmio Nobel, Tunísia ainda enfrenta desafios sociais
Ao premiar o Quarteto de Diálogo Nacional da Tunísia, nesta sexta-feira (9), o comitê do Nobel da Paz elogiou os avanços democráticos vividos no país, que em 2011 destronou o seu então ditador Zine El Abidine Ben Ali.
A vitória não significa, porém, que a Tunísia já tenha solucionado todos os seus desafios rumo à democracia. Além de celebrar eleições, esse país ainda precisa resolver as suas tensões sociais.
A Tunísia é, por exemplo, um dos países que mais enviam militantes para a milícia radical Estado Islâmico. Em junho, um atirador tunisiano matou turistas no balneário de Sousse, ao sul da capital, Túnis.
A desigualdade social e a dificuldade em agradar tanto setores seculares quanto religiosos fizeram da revolução tunisiana um grande desafio.
Se em um primeiro momento o governo pós-ditadura relaxou as medidas em relação à população ultraconservadora, no último ano esse mesmo grupo perdeu seu espaço no cenário político.
A transição tunisiana foi ameaçada, em 2013, pelo caos social e pela violência política. Assim como a Irmandade Muçulmana no Egito, o partido islamita Ennahda deixou o poder. Mas, ali, a saída foi pacífica. No Egito, foi pela via militar.
"Era um momento muito complicado", diz à Folha Ignacio Álvarez-Ossorio, professor na Universidade de Alicante e coordenador na área de Oriente Médio e norte da África na Fundação Alternativas. "O Quarteto evitou que se chegasse a uma solução como a egípcia."
A própria organização do prêmio faz a comparação entre as revoluções na região. Os protestos não trouxeram tantos benefícios ao Egito, por exemplo, em que direitos individuais têm sido violados. Líbia, Síria e Iêmen vivem hoje entre embates violentos.
Um fator essencial nessa transição foi, segundo o comitê, o trabalho do Quarteto de Diálogo Nacional da Tunísia. O país votou recentemente para seu Parlamento e presidente, e tem dado mostra do papel da sociedade civil no processo democrático —que poderia ter sido destruído.
"O prêmio é uma mensagem aos outros países na região", diz a jornalista tunisiana Zainie Amina. "Os líbios e os sírios podem fazer como fizemos, resolvendo suas crises pelo diálogo."
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CRONOLOGIA
Dez.2010
O ambulante Mohamed Bouazizi protesta contra as condições de vida no país, após ser humilhado por funcionários da prefeitura de uma cidade do interior, e ateia fogo ao próprio corpo
Jan.2011
Revolta provocada pela morte de Bouazizi faz com que o ditador Zine Ben Ali, que governava desde 1987, fuja; é o primeiro a cair na Primavera Árabe
Out.2011
País faz eleições para a Assembleia Constituinte. Coalizão vencedora é dominada pelo partido islâmico moderado Ennahda
Fev.2013
Assassinato do líder oposicionista Chokri Belaid deflagra onda de protestos; após não conseguir formar novo governo, Jebali renuncia
Dez.2013
Após meses de tensão, o Ennahda concorda em transferir o poder para Mehdi Jomaa como primeiro-ministro de um governo interino.
Jan.2014
O Parlamento aprova a primeira Constituição do país desde a queda de Ben Ali.
Out.2014
O partido secular Nidaa Tounes ganha a maioria das cadeiras nas eleições parlamentares. Dois meses depois, seu candidato, Beji Caid Essebsi, é eleito presidente.
Mar.2015
Radicais do Estado Islâmico reivindicam autoria de atentado de três atiradores contra o Museu do Bardo, próximo a Túnis. A maioria dos 21 mortos era formada por turistas.
Jun.2015
Atirador do Estado Islâmico mata 38 pessoas em balneário turístico em Sousse. O governo inicia uma ofensiva contra mesquitas que formariam radicias.
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