Europa vive espasmo nacionalista com refugiados e terror
Na quarta-feira (23), o presidente da França, François Hollande, anunciou que o seu projeto de revisão da Constituição incluiria a possibilidade de retirar a cidadania francesa de condenados por terrorismo portadores de dupla nacionalidade.
Pouco mais de uma semana antes, a chanceler alemã, Angela Merkel, dissera querer frear o ritmo de entrada de refugiados no país, que recebeu neste ano cerca de 1 milhão de pedidos de asilo de pessoas vindas do Oriente Médio (sobretudo Síria) e da África.
Especialistas ouvidos pela Folha divergem sobre o significado político das medidas das duas pontas de lança da Comunidade Europeia.
Estaria o bloco assistindo a uma guinada à direita (ou mesmo à extrema-direita), em resposta às duas séries de atentados neste ano em Paris e à crise migratória, maior movimento de populações no continente desde o fim da Segunda Guerra (1939-45)?
Eric Cabanis - 17.nov.15/AFP | ||
Multidão em Toulouse, França, homenageia vítimas de atentados de novembro em Paris |
Não, diz Jean-Yves Camus, diretor do Observatório de Radicalismos Políticos da Fundação Jean Jaurès, França.
"Hollande não está dizendo que vai deixar de acolher refugiados nem que vai adotar o princípio de 'preferência nacional' [reserva de empregos e subsídios só para franceses] preconizado pela extrema-direita. A cassação da cidadania de terroristas comprovados não fere o direito internacional."
O que pode ocorrer, diz ele, é a direita francesa, que tentará reconquistar a Presidência em 2017, encampar um discurso mais duro sobre imigração para acenar a simpatizantes da Frente Nacional.
No início de dezembro, esse partido de extrema-direita venceu o primeiro turno das eleições regionais —e só não conquistou nenhum governo por causa do "voto útil" em socialistas e Republicanos (direita) no segundo turno.
Para Camus, autor de "Les droites extrêmes en Europe" (as extremas-direitas na Europa), a consolidação do movimento ascendente da FN e de outras siglas ultraconservadoras no continente depende do tempo que levará a ação das forças ocidentais contra o Estado Islâmico.
Quanto mais longo o conflito, mais matéria-prima para o discurso xenófobo.
"É interessante observar, no entanto, que nos lugares em que esses partidos integram o governo, em coalizão com a direita moderada, a experiência de poder não lhes é favorável", observa.
"Eles não conseguem pôr em prática suas promessas de campanha. Por exemplo, o chanceler da Finlândia faz declarações contra a Europa, mas não existe a menor chance de o país deixar o bloco."
XENOFOBIA DE ESTADO
François Gemenne, pesquisador do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po) e da Universidade de Liège (Bélgica), vê no plano de supressão da cidadania francesa a vitória simbólica da Frente Nacional ("é ela que está no poder hoje").
No plano europeu, diz, "há xenofobia de Estado arraigada; faltam coragem e vontade política para enfrentá-la".
"A forma como o bloco lidou com a chegada maciça de refugiados foi lamentável, revelou a falência do projeto europeu de solidariedade entre os países", avalia o especialista em migrações.
"O tratamento dado à questão hoje é puramente gerencial, foi destituído de qualquer caráter político-humanitário. A Europa manda dinheiro à África e à Turquia pensando em se livrar de um problema, tentando evitar que ele atravesse a fronteira."
Para Gemenne, a inflexão recente do governo Merkel ao abordar o tema se explica pela inação dos países vizinhos.
"Infelizmente, ela superestimou sua capacidade de influenciar o continente. Conseguiu exercer uma liderança moral na acolhida aos migrantes, mas não política", afirma. "O fracasso não é da gestão alemã para a crise, mas da tentativa de extensão disso para a escala europeia."
O pesquisador acha improvável que o projeto de repartir refugiados pelos países do bloco seguindo cotas, rechaçado por boa parte do Leste Europeu, avance em 2016.
"O que é preciso é relançar uma operação humanitária ampla, nos moldes da Mare Nostrum [realizada no Mediterrâneo pela Itália em 2013], expedir vistos nos países de origem dos refugiados para que possam vir de avião, não barco, e unificar a gestão do asilo na Europa —hoje, cada país tem seu procedimento."
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