Fluxo de refugiados não pode servir para atacar, diz embaixador francês
Antes de chegar ao Brasil para assumir a Embaixada da França, em setembro, o diplomata Laurent Bili foi embaixador na Turquia por quatro anos. Lá, viu o fluxo de refugiados sírios crescer exponencialmente –hoje, são cerca de 2,5 milhões no país.
Hoje, diante do desafio europeu de acolher essas pessoas, Bili ressalta a importância de os chamados países de entrada cumprirem as regras de registro de migrantes para conseguir um equilíbrio entre a resposta humanitária e a seguranças das fronteiras.
Fabio Braga/Folhapress | ||
O embaixador da França no Brasil, Laurent Bili, fala durante entrevista à Folha em São Paulo |
"É claro que o refugiado não é terrorista, temos que separar as coisas. Mas não podemos deixar que esses fluxos sejam instrumento para atacar nossos países", disse o embaixador à Folha. Em novembro, Paris foi alvo de ataques terroristas que deixaram 130 mortos.
Em 2015, a Europa recebeu mais de 1 milhão de refugiados -principalmente sírios, iraquianos e afegãos. Nesta semana, a Organização Internacional para a Migração (OIM) divulgou que 76 mil pessoas chegaram à Europa por via marítima desde 1º de janeiro.
Leia abaixo trechos da entrevista.
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Folha - O sr. foi embaixador na Turquia. Como viu a crise de refugiados a partir de lá?
Laurent Bili - Estive na Turquia antes de a crise de refugiados chegar à Europa, mas já se podia sentir que era um peso enorme para o país, que acolhe 2,5 milhões de refugiados. No começo eram fluxos pequenos, mas contínuos, através da Grécia, depois através da Bulgária, e depois, do mar Egeu, do mar Mediterrâneo. Depois a coisa virou mais profissional, com movimentos enormes e desafios que hoje temos que enfrentar juntos.
Muitos argumentam que a grande quantidade de refugiados acolhidos nos países da região mostra que a Europa pode receber mais pessoas. Essa comparação é possível?
A questão é complexa. É claro que se pode compartilhar mais o esforço, mas tem que ser uma coisa organizada. Há a responsabilidade dos países de trânsito de fazer o registro daqueles que são refugiados políticos –porque dentro desses grupos temos situações muito diferentes.
E aqui falamos da Europa, mas podemos falar de outros continentes, porque a questão dos refugiados é uma preocupação global, e todos os países podem ter um papel.
Em Davos, o premiê francês Manuel Valls disse que não é possível receber todos os refugiados que deixam o Iraque e a Síria sem colocar em risco o conceito da Europa. Até onde a Europa pode ir?
Dentro da própria Europa, as situações são diferentes, então temos que ter uma resposta de todos os países e, o mais importante, seguir as regras e as responsabilidades de cada um. A primeira, que é uma regra do espaço Schengen, é o registro e a identificação de todos os que chegam. O que vimos nos últimos meses foi uma coisa completamente descontrolada.
Qual o equilíbrio entre a resposta a esta emergência humanitária e a garantia da segurança das fronteiras?
Há a preocupação de que esse fluxo de refugiados, de pessoas inocentes e que precisam de ajuda, possa ser usado por pessoas que querem se infiltrar dentro dos países europeus e cometer crimes terroristas. É claro que o refugiado não é terrorista, temos que separar as coisas. Mas não podemos deixar que esses fluxos sejam um instrumento para atacar nossos países. Neste caso, o mais importante é o papel dos países de entrada.
O seu governo considera que houve falha de inteligência nos atentados de Paris?
No caso destes ataques, se vê que a utilização de um outro país [Bélgica] para atacar foi uma fraqueza do sistema. Por isso estamos trabalhando cada dia mais com nossos parceiros para compartilhar informações, porque [o terror] é um desafio global que tem que ter uma resposta global.
Mas a França considera ser um alvo preferencial dos terroristas?
Declarações do Daesh (Estado Islâmico) e de outros movimentos fazem da França um alvo específico. Mas, na verdade, o fato de terem escolhido um local como o Bataclan, mostra que é mais o modo de viver, uma certa ideia de liberdade, que está se atacando.
Nesta semana, o Senado francês decidiu estender o estado de emergência no país por mais três meses. A França ainda não está segura?
Fizemos muitos progressos, mas sabemos que é sempre possível enfrentar um ataque. E não só na França, porque depois de Paris, houve ataques na África –em Burkina Fasso, no Chade. Na Alemanha foram presos dois suspeitos de terrorismo.
Mas fazemos o máximo para que o país seja seguro e fomos capazes de acolher 140 chefes de Estado na conferência do clima e milhares de participantes sem problema de segurança. Há uma ameaça, mas há ameaça até no Brasil, e muitas vezes temos que reagir à emergência.
É possível trocar experiências sobre segurança com o Brasil em relação aos Jogos Olímpicos?
Sim, claro. Inclusive já tivemos reuniões nos centros de operação da Polícia Federal no Rio e em Brasília, e nossos serviços especializados estão em contato, estabelecemos um mecanismo para acelerar o intercâmbio de informações e experiências.
Como seu governo vê o momento de crise política e econômica no Brasil?
Estamos observando. O que nos preocupa é a relação de longo prazo entre a França e o Brasil, e, neste sentido, é muito importante que o Brasil funcione, que as instituições funcionem, e que a nossa cooperação continue normal.
Temos projetos estratégicos que continuam. Vemos o problema orçamentário como uma dificuldade, mas esses projetos são tão importantes que estamos adaptando o ritmo dos programas às condições orçamentárias.
Um impeachment poderia ser visto como uma mostra de fragilidade da democracia?
O importante é que as regras constitucionais sejam seguidas. A estabilidade política é baseada sobre essas regras.
O valor do fluxo comercial entre Brasil e França em 2015 foi o mais baixo desde 2009. Como é possível retomar o comércio num momento de crise?
Não há saída que não inclua a volta do crescimento do Brasil –e também da França. Mas temos muitas empresas que têm confiança no futuro do Brasil, que acham que daqui a um ano o Brasil vai sair da crise e que vão voltar a crescer com o Brasil.
A opção do Brasil por comprar os caças da Suécia atrapalhou a relação?
Teve um momento em que o governo francês teve a impressão de que o negócio estava fechado em favor do Rafale [caça francês]. Então, no momento da decisão em favor do Gripen [caça sueco], houve uma decepção. Mas é uma coisa normal, é um direito soberano do Brasil escolher o avião de caça que quiser.
Temos o orgulho de pensar que essa não era uma coisa que se podia comparar: o Rafale é um avião que existe, que é um dos melhores do mundo, enquanto o Gripen é de uma categoria diferente, que ainda não existe. Então foram duas estratégias diferentes. Mas não é algo que vai atrapalhar as relações.
O Ministério Público reabriu a investigação sobre a compra dos caças por suspeitas de superfaturamento e corrupção de agentes públicos. Como o seu governo vê isso?
Não tenho informação particular sobre o assunto. Mas se há algo errado, é o governo brasileiro que deve tirar as conclusões.
É possível que a propagação do vírus da zika no Brasil afete a vinda de franceses para a Olimpíada do Rio?
A França talvez seja um dos países que está mais consciente da ameaça do zika porque já tivemos uma epidemia na Polinésia Francesa em 2013-2014 que foi uma coisa maior. Tivemos 50 mil casos lá. E também nas Antilhas e na Guiana [Francesa] temos mais de 2.000 casos de zika. Então é uma coisa muito séria.
Tivemos que divulgar uma mensagem para que as mulheres grávidas pensassem em adiar as viagens às zonas contaminadas com a epidemia, inclusive os departamentos franceses.
Mas temos tido muitas reuniões para ver como usar a experiência que temos com os nossos institutos para colaborar com o Brasil. Sentimos que é um desafio comum e estamos mobilizados para trabalhar juntos.
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