Convertido ao centro, Humala deixa governo no Peru mal avaliado
No dia seguinte à vitória de Ollanta Humala, em 2011, a bolsa de Lima caiu 12%.
Assustados, empresariado, intelectuais e políticos de oposição peruanos pressionaram tanto o novo presidente que este pronunciou um juramento, em cerimônia solene na tradicional Universidade San Marcos, no qual se comprometia a não mudar as linhas gerais da economia peruana, a preservar a liberdade de expressão e a defender os direitos humanos.
O temor desses setores? Que por trás do candidato que jurava ter moderado seu comportamento ainda estivesse o militante que fora no passado, pronto a mostrar suas verdadeiras intenções.
Luis Camacho - 23.fev.2016/Xinhua | ||
O presidente do Peru, Ollanta Humala, discursa após encontro com o presidente da França |
Humala, 53, vem de uma família de nacionalistas extremistas, com um irmão preso acusado de atos de terrorismo e um pai que lidera um grupo que propõe uma nova forma de política: o "etnocacerismo", ideologia que prega a supremacia indígena apoiada nas Forças Armadas.
Para alívio dos mercados, Humala manteve o juramento. Afastou-se do chavismo e da família, não mexeu na política econômica que vinha fazendo com que o país crescesse de forma constante desde os anos 90 e deu ainda mais impulso à mineração.
Mesmo com a desaceleração mundial e o fim do ciclo das commodities, o Peru viu seu PIB crescer 2,7% em 2015, com projeção de chegar a 3% em 2016, segundo o FMI.
IMPOPULARIDADE
Entre seus trunfos, está uma significativa queda nos níveis de pobreza, que eram de mais de 50% nos anos 90, para atuais 27%, com redução ainda mais acentuada do nível de pobreza extrema.
Ter mantido o Peru nos trilhos e aberto o país a investimentos estrangeiros, porém, não fez com que Humala se tornasse um líder popular. Em março, a aprovação do mandatário era de apenas 12%, segundo pesquisa.
"O peruano é sempre anti-governista, isso explica em parte porque, mesmo com o PIB alto, os presidentes são tão mal avaliados", diz o cientista político Alberto Vergara, da Universidade Harvard.
Outra razão, apontada por especialistas ouvidos pela Folha é que, embora tenha reduzido a pobreza, não houve políticas de inclusão social nem investimento em infra-estrutura que garantissem a defesa do país em um cenário de crise mundial, tampouco a consolidação de uma verdadeira classe média.
"Humala não conseguiu passar à população uma ideia de que ela estaria protegida, algo que Fujimori fez muito bem. E boa parte da sociedade peruana ainda depende muito da ideia de um político de tom paternalista", disse à Folha o escritor e jornalista Santiago Roncagliollo, articulista do "El País" e autor de uma biografia de Abimael Guzmán, líder da guerrilha Sendero Luminoso.
O resultado foram cinco anos de turbulência política, com várias trocas de ministros e dificuldades na relação com o Congresso. Nos últimos dois anos de mandato, surgiram casos de corrupção envolvendo a primeira-dama, Nadine Heredia, também líder do partido governista.
Na região andina, onde os níveis de aprovação de Humala são ainda mais baixos, ao redor de 8%, a reclamação é a de que o mandatário deixou de proteger as comunidades indígenas, liberando a mineração em áreas de patrimônio ambiental e histórico.
Seu mandato termina em 28 de julho, mas Humala não deixará a política: ele anunciou que pretende reorganizar sua legenda, o Partido Nacionalista Peruano.
"Vou consolidar o partido. Fizemos tanto esforço para ser governo que nos desestruturamos como grupo. O Peru precisa de partidos para que a política deixe de ser tão personalista."
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