Após conflitos com presidente Erdogan, premiê turco anuncia saída
O primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, anunciou sua renúncia da liderança do partido e, assim, da função de premiê nesta quinta (5), abrindo caminho para que o presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, amplie seu poder.
"Decidi que, pela unidade do partido, uma mudança na liderança seria o mais apropriado. Não pretendo disputar o congresso do dia 22 de maio", afirmou Davutoglu.
"Estou dizendo aos membros do nosso partido: até agora, eu liderava vocês; de agora em diante, estarei no meio de vocês."
Em três semanas, uma convenção de emergência do partido AKP (de Erdogan e Davutoglu) deverá escolher uma nova liderança para a legenda e um novo primeiro-ministro.
Andrew Burton/AFP | ||
O premiê turco Ahmet Davutoglu, durante fala nas Nações Unidas, em setembro |
Quando foi eleito presidente do país em 2014, Erdogan escolheu Davutoglu como premiê e líder do partido.
Era esperado que o novo primeiro-ministro atuasse como um coadjuvante, enquanto Erdogan se dedicava a conferir maiores poderes para o cargo, hoje solene, de presidente na Turquia.
PRESIDENCIALISMO
Erdogan pressiona por uma mudança na Constituição para mudar o sistema político turco para o modelo presidencial, escanteando ainda mais a figura do premiê. O mandato de primeiro-ministro na Turquia dura quatro anos e pode ser renovado sem limite de vezes, mas Davutoglu encerra sua passagem pelo cargo com menos de dois anos.
A renúncia anunciada nesta quinta (5) é consequência das diferenças entre Davutoglu e Erdogan e ocorre após semanas de tensões entre os dois.
É provável que o sucessor do primeiro-ministro, tido como mais moderado em relação ao presidente, seja mais receptivo à ideia do presidencialismo, uma mudança que pode trazer ainda mais autoritarismo ao país, avaliam críticos de Erdogan.
Também houve divergência entre os dois políticos do AKP a respeito de conversas de paz com a milícia PKK, em confronto com o governo turco; e sobre prisões de jornalistas e acadêmicos anteriores a julgamentos.
Há quem fale em novas eleições parlamentares este ano, a terceira no intervalo de menos de 18 meses, que poderiam dar extensa maioria a Erdogan para mexer na Constituição.
"A Turquia muda como resultado de um modelo de desenvolvimento asiático, com forte controle central da Presidência, e a maioria das decisões sendo tomadas pelo presidente e por um pequeno grupo de conselheiros que não foram eleitos", avalia Timothy Ash, especialista em Turquia e estrategista na consultoria Nomura.
O anúncio das mudanças no partido vem no dia seguinte à vitória do governo turco, que conseguiu que a Comissão Europeia recomendasse o fim da necessidade de vistos na Europa para viajantes da Turquia.
De saída, Davutoglu prometeu lealdade a Erdogan.
"Não tenho censura, raiva ou ressentimento contra ninguém", disse o premiê.
REPERCUSSÃO
Os governos dos principais países da Europa não se pronunciaram oficialmente sobre a saída de Davutoglu, mas a imprensa europeia criticou a decisão, considerada mais um passo autoritário de Erdogan. O site da revista alemã "Der Spiegel" fala em "retirada sem razão". O jornal inglês "The Gaurdian" afirma que o presidente turco "reforça seu apego ao poder".
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