Confluência de crises empurra população venezuelana ao limite
Ao meio dia da última quinta (19), centenas de pessoas se espremiam na porta de um supermercado em Ocumare, cidade pobre a uma hora de carro ao sul de Caracas.
Policiais armados permitiam entrada a conta gotas, enfurecendo a multidão aglomerada desde a madrugada para comprar farinha de milho a preço regulado. Quando a situação parecia fugir do controle, um policial numa moto acelerou para cima das pessoas, que correram.
"Temos fome, seus desgraçados", gritou uma senhora. "Vamos invadir a loja", esbravejou um rapaz.
George Castellanos - 25.abr.2016/AFP | ||
Venezuelana trabalha em padaria durante corte de luz em San cristóbal, no oeste do país |
A 500 metros dali, formava-se outra fila em uma agência bancária que acabava de abrir, após ficar fechada toda a manhã devido ao racionamento elétrico. A maioria na fila era de aposentados querendo receber o benefício depositado naquele dia.
A cada vez que uma funcionária surgia, as pessoas gritavam e se empurravam em direção à porta. Num dos momentos mais tensos, dois senhores trocaram socos.
"Ninguém aguenta mais. Falta comida, falta luz, falta água, falta segurança", disse a manicure Amelia Rivas, 42, ecoando um desespero palpável diante da deterioração da crise econômica e social nas últimas semanas.
Assolada por quase três anos de desabastecimento e inflação, a população extravasa sua impaciência de maneira cada vez mais violenta, o que reaviva temores de um novo Caracazo, a revolta que deixou 300 mortos em 1989.
Saques proliferam pelo país, inclusive em Caracas. A cada dia redes sociais trazem novas imagens de pessoas invadindo mercados e depósitos ou tomando de assalto caminhões de alimentos.
Nesta semana, um vídeo mostrou pessoas atacando pescadores que se preparavam para descarregar sardinhas na ilha de Margarita.
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GRITARIA
Basta observar durante alguns minutos a gritaria nas filas em mercados e farmácias para se ter a impressão de conflito iminente.
Pequenos protestos contra a crise também se disseminam, muitas vezes com ruas fechadas por pneus queimando. Nas últimas semanas, a população de Ocumare se manifestou várias vezes contra os cortes de água.
Em resposta, o governo espalhou controles militares e veículos blindados em várias cidades. Regiões de Caracas pareciam uma cidade sitiada.
Na semana passada, o presidente Nicolás Maduro decretou estado de exceção, o que lhe garante por 60 dias poderes especiais.
Meridith Kohut/The New York Times | ||
Sem leitos disponíveis, pacientes se acumulam em corredores de hospital público em Merida |
"As pessoas abriram os olhos, e o governo está com medo", diz a dona de casa Marliober Uzcategui, 28, enquanto amamenta seu bebê de dois meses numa fila de supermercado sob o sol.
Um policial em Ocumare disse à Folha que o desespero das pessoas é "cada vez maior" e admitiu ter medo, "como todo mundo".
Mas ele deixou claro que atiraria em manifestantes caso recebesse a ordem.
Maduro atribui a crise econômica a um suposto complô antissocialista e à queda da arrecadação petroleira com o mergulho do preço do produto desde 2014. E afirma que os cortes de luz e água são inevitáveis diante da seca que esvaziou as represas do país.
Para a oposição e a maioria dos economistas, a crise é anterior à queda do petróleo e resulta da má gestão e das políticas chavistas como ataques ao setor produtivo e controles de preço e de câmbio.
A oposição, que instalou ampla maioria no Parlamento após vencer a eleição parlamentar de dezembro, tenta ativar um referendo revogatório contra Maduro até o fim do ano. O governo aparenta estar protelando o processo até 2017, data a partir da qual uma eventual destituição de Maduro não geraria nova eleição, mas um governo comandado pelo vice-presidente.
Para o líder opositor Henrique Capriles, governador do Estado de Miranda (onde estão Caracas e Ocumare), quanto mais o governo se opuser ao referendo, maior a chance de uma revolta popular. "A Venezuela é uma bomba que pode explodir a qualquer momento."
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