Manifestantes se dizem pressionados a participar de atos pró-governo Maduro
Numa tarde recente, centenas de pessoas participavam de um protesto organizado pelo governo venezuelano no centro de Caracas em solidariedade à presidente afastada Dilma Rousseff.
Enquanto um militante chavista discursava contra o que chamou de golpe no Brasil, a Folha quis saber de uma senhora que carregava uma bandeirinha verde e amarela porque ela apoiava a petista.
"Não sei. Só estou aqui porque me mandaram e, quando cheguei, me entregaram esta bandeira", respondeu.
"Pergunte à supervisora", sugeriu a senhora, apontando para uma mulher de boné vermelho com o logo do Distrito Capital, área de Caracas sob administração chavista.
Questionada, a supervisora afirmou que o protesto era "contra o império [EUA]", mas também não soube explicar a relação com o Brasil.
O episódio mostra como as manifestações governistas na Venezuela têm se transformado em uma espécie de circos montados com cada vez menos participação espontânea.
Basta observar de perto qualquer evento oficial para perceber que a imensa maioria dos presentes é de servidores e funcionários de empresas estatais usando uniforme ou boné das respectivas instituições.
Sob condição de anonimato, muitos relatam ser coagidos a comparecer.
"Meu nome está numa lista, e eu preciso aparecer", resmungou o funcionário público Alberto Arenas (nome fictício), 32, numa marcha em defesa da "economia comunal", há duas semanas.
Segundo dezenas de relatos, convocações são feitas no trabalho ou via WhatsApp.
O transporte costuma ser garantido. É comum ver ônibus enfileirados perto das manifestações. Muitas pessoas são trazidas do interior. Há distribuição de camisetas, bandeiras e lanche.
Uma vez no local, gerentes com lista na mão fazem chamada para verificar presenças. Quem falta está sujeito a represálias, como suspensão de benefícios ou até demissão.
Arenas, o servidor, diz não ver razão para apoiar de coração as manifestações governistas. "Apoiei a revolução bolivariana e a ajuda aos pobres, mas o projeto foi desviado. Olhe essa situação de desabastecimento, violência, filas para conseguir comida."
A frase ecoa a insatisfação com o presidente Nicolás Maduro, cuja rejeição atinge 71%, segundo o Datanálisis.
De acordo com o mesmo instituto, 68% dos venezuelanos não aceitam a tese oficial de "guerra econômica", pela qual o desabastecimento de itens básicos e remédios seria fruto de um complô da oposição.
Juan Barreto - 14.mai.2016/AFP | ||
Garoto segura cartaz favorável a Maduro durante ato em Caracas, em 14 de maio |
DESENCANTO
Acusado de ser mau gestor, Maduro também deparou-se com a queda do preço do petróleo, pilar da economia. Seu antecessor, Hugo Chávez (1999-2013), não só governou numa época de alta renda petroleira como também possuía carisma e habilidade política que lhe garantiam apoio popular.
Marchas que ele convocava formavam um mar de gente em roupa vermelha.
Para amenizar o contraste com as manifestações atuais, a TV estatal evita enquadramentos amplos.
Chavistas desencantados foram em boa parte responsáveis pelo triunfo da oposição na eleição parlamentar de dezembro.
O governo, porém, empenha-se em cultivar a imagem de conexão com as massas.
Na última terça (24), a TV estatal mostrou Maduro recebendo uma "marcha das mulheres contra o fascismo".
Enquanto esperava do lado de fora do palácio presidencial, a diarista Carolina Willem, 52, buscava algum funcionário que lhe explicasse por que não havia recebido neste mês a ajuda de 10 mil bolívares (US$ 10 na cotação paralela, ou R$ 36) destinada às mães mais pobres.
"Não queria ter vindo, mas fiquei com medo de nunca mais receber a ajuda se eu não aparecesse."
BASTIÃO
Apesar da adversidade, o chavismo ainda tem uma base que representa ao menos 30% do eleitorado, segundo o instituto Hinterlaces.
São pessoas como a aposentada Reina Arcia, 78, que faz questão de apoiar o governo na rua.
"As coisas estão muito difíceis, mas sempre votarei na revolução, pois a direita não se importa com os pobres."
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