análise
Mesmo com ataque a igreja, foco do EI não é o embate religioso
Matthieu Alexandre/AFP Photo | ||
A igreja de Saint-Etienne, na Normardia, onde um padre foi morto em ataque reivindicado pelo EI |
O comunicado divulgado pelo Estado Islâmico na manhã desta terça-feira (26), reivindicando o ataque a uma igreja na França, tem apenas um parágrafo. O atentado, segundo o texto, foi executado contra um alvo "da coalizão de cruzados".
O anúncio, curto, dá a entender que a justificativa é estratégica: responde aos bombardeios franceses dentro do território do auto-declarado califado, espalhado entre Iraque e Síria. Mas a nota será lida também, como de costume, como indício de um "conflito religioso".
Há, sim, simbologia religiosa no comunicado emitido pelo Estado Islâmico, referindo-se aos franceses como "cruzados". Mas a referência é ao mesmo tempo histórica –as Cruzadas foram conflitos medievais envolvendo cristãos e muçulmanos– e faz parte de uma linguagem típica dos extremistas. Não significa que o ataque tenha sido motivado por uma disputa entre crenças.
Embora extremistas ligados ao Estado Islâmico tenham capturado e decapitado cristãos na Líbia, em fevereiro de 2015, o confronto entre Estado Islâmico e potências internacionais não é um embate religioso. Há, afinal, interesses estratégicos em torno de territórios e recursos por trás da terminologia que divide "fiéis" de "infiéis".
Onde fica Saint-Etienne-du-Rouvray
O Estado Islâmico é resultado de uma interpretação radical do islã, mas não surgiu de um imperativo que opõe cristãos e muçulmanos. A maior parte de suas vítimas são muçulmanos, tanto sunitas quanto xiitas, mortos em ataques em todo o Oriente Médio –nem todos são noticiados, mas eles são reais.
Outros movimentos radicais baseados no islã surgiram também em contextos políticos específicos, apesar da carga religiosa e universal que marca seus discursos. O fenômeno da Irmandade Muçulmana está relacionado à presença britânica no Egito no início do século 20, por exemplo, e a Al Qaeda foi influenciada por intervenções externas mais recentes no Oriente Médio.
As Cruzadas, citadas pelo Estado Islâmico nesta terça, tampouco foram a simples história de "cristãos contra muçulmanos", como são por vezes resumidas nos livros didáticos. Disputava-se, entre castelos e lugares santos, o poder. Nuances. Mas, como escreveu o pesquisador Charlie Winter após o ataque à igreja francesa, quem se beneficia das análises sem nuances e da histeria nas redes sociais é justamente o Estado Islâmico.
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