Mercosul busca 'gambiarra' ante impasse no comando do bloco
Os coordenadores nacionais do Mercosul buscam nesta terça (23), em Montevidéu, uma "gambiarra" jurídico-política para acabar com a acefalia que paralisa todas as atividades do bloco.
O problema instalou-se quando o Uruguai abandonou a presidência de turno no fim do mês passado, sem fazer a transferência formal para o país seguinte na ordem alfabética (a Venezuela).
Os uruguaios sabiam que Argentina, Brasil e Paraguai não aceitariam a presidência venezuelana. O pretexto (técnico) é o de que a Venezuela não adequou sua legislação interna às normas do bloco.
O motivo real (político) é a acusação dos três sócios de que a Venezuela não é uma democracia plena. "País que tem presos políticos não é democrático", repete sempre o chanceler José Serra —e a Venezuela tem presos políticos.
Miguel Rojo - 5.jul.2016/AFP | ||
O ministro das Relações Exteriores José Serra durante coletiva em Montevidéu, em julho |
A reunião desta terça foi convocada no dia 12, quando se completaram os quatro anos concedidos à Venezuela para cumprir o compromisso de se adequar ao compêndio de normas do Mercosul.
Até o Uruguai, o único dos sócios originais que quer transferir a PPT (presidência pro-tempore, no jargão oficial) para a Venezuela, assinou carta em que eles todos afirmam que não houve o cumprimento.
Caracas aceita que não cumpriu tudo, mas afirma que fez mais até do que sócios originais do grupo, sem especificar qual ou quais. Por que a necessidade de uma "gambiarra"? Porque não há previsão de punição para não cumprimento das normas.
O Uruguai alega que deve prevalecer "o jurídico sobre o político" —ou seja, deve-se acatar a regra da transferência (o jurídico) em vez de se aceitar o julgamento político da Venezuela como não-democrática ou, como diz até o chanceler uruguaio Rodolfo Nin Novoa, uma "democracia autoritária", o que é uma contradição em termos.
A reunião será, acima de tudo, para convencer o Uruguai a aceitar uma "gambiarra" qualquer. A que está sobre a mesa é a presidência colegiada até o fim do ano, proposta original da Argentina, logo encampada pelo Brasil, mas nunca adotada antes.
A adesão uruguaia é indispensável porque as decisões no bloco têm que ser tomadas por consenso. Aliás, isso se tornará definitivamente inalcançável se a Venezuela, convidada, enviar seu coordenador a Montevidéu.
Até ontem, não havia confirmação da presença do venezuelano, mas o cronograma que a chancelaria venezuelana divulgou em sua página oficial marca uma reunião de coordenadores para o dia 25, não 23.
Argentina, Brasil e Paraguai aceitam qualquer outra proposta alternativa para a PPT, desde que permita fugir da paralisia em que se encontra o bloco, incapaz, sem presidência, de tomar qualquer tipo de decisão, desde as triviais (convocar reuniões) até as relevantes (discutir novos acordos comerciais).
O que acontece se não se conseguir a "gambiarra"? "A paralisia do Mercosul não pode seguir indefinidamente", se diz no Itamaraty, sem, no entanto, arriscar um prazo ou uma proposta alternativa.
É razoável supor, no entanto, que, mais cedo do que tarde, será posta à mesa a questão da cláusula democrática. Sua aplicação a países que rompem a institucionalidade democrática permitiria suspender a Venezuela, o que tiraria do horizonte a questão da presidência.
É o que diz o especialista venezuelano em direito internacional Edmundo González Urrutia. "A credibilidade do Mercosul passa por ser sincero no caso da Venezuela, sobretudo em matéria de democracia e direitos humanos", disse ao jornal "El Nacional".
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