Revolução Cubana incitou guerrilha e sonhos da esquerda no Brasil
Alan Marques - 27.set.03/Folhapress | ||
O então presidente Lula (à esq.), Fidel Castro (centro) e Dirceu (à dir.) durante visita a Havana, em 2003 |
Fidel Castro exerceu sobre a esquerda brasileira influência simbólica e prática. A primeira, gerada pela Revolução Cubana, foi o sonho de um socialismo tropical. A segunda estava ligada à realização dessa utopia: o treinamento, na ilha, de cerca de 200 pessoas dispostas a criar focos de guerrilha no Brasil.
A influência prática não deu bons frutos, com os grupos de luta armada dizimados pelo regime militar. No imaginário, as recordações são melhores.
"Era o socialismo tropical, sem o peso do modelo soviético. Era uma coisa refrescante, utópica, e Fidel estava à cabeça disso", diz o sociólogo Emir Sader, autor de "Cuba: Um Socialismo em Construção" (Vozes).
"O impacto foi enorme em movimentos camponeses, militares de baixa patente, meios intelectuais e culturais, a esquerda católica e o nacionalismo de esquerda. Depois do golpe de 1964, isso ganhou mais força", diz o sociólogo Marcelo Ridenti, autor de "O Fantasma da Revolução Brasileira" (Unesp).
Antes, dizia-se "revolução brasileira", não no sentido estrito de ação armada. "Era a busca de caminhos para os dilemas do país, mas as propostas variavam", diz o historiador Jean Rodrigues, autor da tese de doutorado "O Impacto da Revolução Cubana nas Organizações Comunistas Brasileiras - 1959-74" (Unicamp, 2005).
Rodrigues ressalta que, a partir de 1961, quando Fidel Castro assumiu o caráter socialista da revolução e se aproximou da União Soviética, as correntes da esquerda passaram a usar Cuba para endossar suas teses.
Para o PCB, ligado a Moscou, Fidel provara possível a revolução democrática na América Latina, mas o partido discordava da luta armada. Já outros grupos exaltavam a guerrilha e defendiam a luta pelo socialismo.
O primeiro grupo a ser treinado em Cuba viajou em julho de 1961 e era parte das Ligas Camponesas –embora o líder Francisco Julião fosse contra a luta armada. Os militantes tentaram montar um foco em Goiás, mas foram presos em novembro. O segundo grupo, ligado ao Movimento Nacional Revolucionário, tinha Leonel Brizola como mentor. O único produto efetivo do trabalho foi a guerrilha do Caparaó, na serra entre Minas Gerais e Espírito Santo, articulada por 14 homens em 1966 e destruída em abril do ano seguinte pelos militares.
De 1967 a 1971, quatro "exércitos" treinaram em Cuba. Eram militantes da ALN (Aliança Libertadora Nacional), embora pessoas da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e do MR-8, entre outros, também tenham sido treinadas.
Segundo relatos, a preparação era precária.
José Dirceu –ex-presidente do PT e hoje preso por conta da Operação Lava-Jato– fez parte do "3º exército", treinado em 1970. O grupo foi massacrado na volta ao Brasil. O ex-ministro conseguiu fugir para o Paraná, onde viveu clandestino até a anistia.
O grupo de Dirceu, fiel a Cuba, rompeu com a Aliança Libertadora Nacional, que seguia a postura de Carlos Marighella. Assassinado em novembro de 1969, Marighella, que Fidel chegou a ver como o homem que comandaria a revolução no Brasil, queria que os militantes treinassem em Cuba, mas não fossem controlados por Fidel.
As relações de Havana com a guerrilha brasileira se esgotaram com a derrota final desses grupos, em 1974. Porém, segundo Denise Rollemberg, autora de "O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil" (Mauad), Fidel foi até além do que queria a URSS e daquilo em que ele acreditava.
"O treinamento alimentava a esperança, na sua população, de que a revolução aconteceria em outros lugares. Mas, para ele e o partido, essa ideia estava acabada. Ele sabia que a Revolução Cubana sobreviveria da ligação com a URSS", diz.
Com a abertura política no Brasil, a hipótese da luta armada morreu. Continuou apenas a admiração de alguns setores, em especial do PT, pela figura de Fidel e pelo símbolo Cuba.
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