Terrorismo afasta turistas e atinge política e economia da Turquia
Dois jovens se amontoam entre as centenas de pessoas diante da casa noturna Reina, em Istambul, durante as homenagens às 39 vítimas de um atentado no Ano-Novo. Eles vestem dólmãs de cozinheiro e se cobrem com as bandeiras da Turquia.
Ambos vieram de Bursa, a 150 quilômetros dali, para se manifestar sobre uma catástrofe que já anunciam: o colapso do setor turístico.
O escoamento de estrangeiros é uma das consequências mais imediatas da série de ataques sofridos pela Turquia no último ano, como a explosão próxima a um estádio em 10 de dezembro, que matou 45, e o ataque ao clube durante a virada do ano.
O golpe à economia atinge também a política e pode resultar, para analistas, em um governo ainda mais rígido.
Yasin Akgul-1º.jan.2017/France Presse | ||
Um policial atua nos arredores da casa noturna Reina, em Istambul, onde 39 foram mortos no Ano Novo |
"Queremos mostrar que esse não foi apenas um ataque contra um clube, mas contra todo o país", diz à Folha Muhammed Saskin, 18, estudante de hotelaria e cozinheiro. Os atentados fazem com que a Turquia não pareça segura, prejudicando o setor, diz ele.
Dados do Ministério do Turismo indicam que o número de estrangeiros visitando a Turquia caiu 30,8% durante os 11 primeiros meses de 2016 em comparação com o mesmo período de 2015.
O número de turistas russos caiu 77,3%. Turquia e Rússia tiveram atritos diplomáticos em 2015, mas recentemente restauraram laços.
A crise é visível. Pontos turísticos estavam vazios na terça-feira (3). Istambul é popular entre os turistas por cenários como a Basílica de Santa Sofia e o Palácio Topkapi.
Nacionalidades de turistas estrangeiros na Turquia entre 2014 e 2016 - Jan. a nov., em milhões
As estatísticas preocupam o setor e motivaram a manifestação em solidariedade às vítimas. Saskin diz que soube da homenagem via colegas e viajou a Istambul vestindo a roupa de trabalho.
CONSPIRAÇÃO
O ano foi, para o colunista turco Mustafa Akyol, desastroso. "Foi um ano ruim, ruim, ruim", diz, citando os ataques terroristas, a tentativa de golpe militar em julho e o colapso da economia.
Mas, ao contrário de momentos anteriores da história turca, quando as agruras econômicas fortaleceram alternativas políticas, a crise atual deve consolidar o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan, afirma.
"O Estado tem propagado a ideia de que a crise econômica é uma conspiração contra a Turquia. Muitas pessoas acreditam nessa narrativa, o que pode incrementar o apoio dentro de sua base."
O momento político também favorece Erdogan, após o golpe frustrado. "Ele nunca esteve tão popular", afirma Akyol.
"O golpe deu a impressão de que há forças sinistras tentando derrubar o presidente e de que é preciso se unir contra essas forças."
Os repetidos atentados têm um efeito semelhante. A Folha encontrou o juiz aposentado Izzet Dogan assinando um livro de condolências diante do clube noturno Reina. Ele escreveu:
"Os autores do ataque são inimigos da esperança. A violência e o sangue nunca são o suficiente para eles."
Apesar de reconhecer que houve falhas no aparato de segurança, debilitado pela demissão de milhares de servidores públicos, Dogan diz também que falta solidariedade do público a Erdogan. "Se nos uníssemos, seria mais fácil para o governo lidar com essa crise", afirma.
RESPONSABILIDADE
Por outro lado, diz o parlamentar Baris Yarkadas, o público está se cansando da crescente instabilidade. A participação da Turquia no conflito sírio e sua campanha contra militantes curdos são vistos como catalisadores da crise na segurança.
Yarkadas, da sigla de oposição CHP (Partido Republicano do Povo, centro-esquerda), é membro do comitê de segurança no Parlamento.
"O governo espera mais e mais ataques, e a população está ciente de que o país está em conflito", diz. "Mas o Estado não tem uma política para garantir a segurança."
Nesse sentido, Kamal Kiliçdaroglu, líder do CHP, acusou o governo de ser responsável pelo aumento dos ataques e pediu que renuncie devido às 39 mortes na Reina.
Kiliçdaroglu afirmou que ninguém no governo assume a responsabilidade ou atua para prevenir novas ações.
"As pessoas estão em choque, tentando entender o que houve", diz Yarkadas. "Já o governo tenta manipular o público pela mídia estatal dizendo não ter culpa."
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