Descrição de chapéu The New York Times

Acusados por Trump de favorecimento pelo Nafta, mexicanos criticam pacto

AZAM AHMED
ELISABETH MALKIN
DO "NEW YORK TIMES", EM APODACA (MÉXICO)

Em seus 30 anos como operário na fábrica da Whirlpool em Apodaca, uma cidade industrial mexicana, José Luis Rico testemunhou algumas mudanças importantes.

A força de trabalho cresceu, e produz refrigeradores que mais parecem robôs do que os modelos simples que ele ajudava a fabricar no início de sua carreira. Um dos fatores que alimentava essas mudanças era um acordo de livre comércio entre México, Canadá e Estados Unidos que prometia conduzir o México ao futuro.

O que não pareceu subir, porém, foi o salário de Rico. Depois de alguns aumentos, ele continua a ganhar bem menos de US$ 10 mil (R$ 32 mil) por ano –soma, ele argumenta, que dificilmente faz do México o grande ganhador no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), ao contrário do que afirma o presidente eleito, Donald Trump.

Na verdade, para Rico e muitos outros trabalhadores, políticos e economistas mexicanos, o Nafta não parece vitória de maneira alguma.

"É mais uma questão de sobrevivência", disse Rico. "Eu achava que ele tornaria minha vida melhor, que o acordo criaria oportunidades para todos".

"Talvez tenha criado", ele disse, apontando com a cabeça na direção do logotipo da Whirlpool na entrada do complexo fabril. "Só que não para nós".

Questionar as virtudes do Nafta foi uma das peças centrais da campanha de Trump, que em dado momento o definiu como "o pior tratado de comércio internacional já assinado em qualquer lugar". E as críticas não se atenuaram depois de sua eleição. Na terça-feira (3), por exemplo, ele criticou a General Motors por embarcar carros montados no México para os Estados Unidos, assumiu o crédito por uma decisão da Ford de cancelar seus planos para uma nova fábrica no México e fez de um conhecido proponente de políticas protecionistas. Robert Lighthizer, seu principal negociador de comércio internacional.

Os argumentos dele impulsionaram a narrativa de que as perdas dos trabalhadores dos Estados Unidos redundaram em ganhos para a economia mexicana.

Mas aqui no México, a opinião cada vez mais forte é a de que o Nafta, a despeito de ter valido muito investimento ao país, terminou por se provar uma grande decepção.

"Em última análise, como estratégia de desenvolvimento, o tratado deveria ter promovido mais desenvolvimento sustentado, gerado salários mais altos e reduzido a disparidade entre o México e os Estados Unidos", disse Gerardo Esquivel, economista do Colegio de México. "Mas os resultados ficaram bem abaixo do esperado".

A economia do México cresceu em média apenas 2,5% ao ano na era do Nafta, uma fração do necessário para prover os empregos e prosperidade prometidos pelos proponentes do tratado. Mais de metade dos mexicanos ainda vivem abaixo da linha da pobreza, uma proporção que continua inalterada desde 1993, antes que o acordo entrasse em vigor.

Os salários no México estão estagnados há mais de uma década, e a disparidade persistente entre ricos e pobres continua a existir. A maioria dos trabalhadores mexicanos continua empregada no mercado paralelo, em oficinas, mercados e plantações, ganhando o mínimo necessário a sobreviver.

Novas tecnologias, enquanto isso, reduziram em muito o número de empregos e elevaram a produtividade, o que é boa notícia para as empresas mas um golpe para a força de trabalho.

"O México está vendo exatamente o mesmo fenômeno que os Estados Unidos", disse Timothy Wise, pesquisador na Universidade Tufts. "Os trabalhadores têm cada vez menos poder de negociação, dos dois lados da fronteira".

Em parte, a culpa pelo fracasso do Nafta em atingir as metas propostas cabe ao governo mexicano, dizem especialistas. Em lugar de usar o tratado como ponto de lançamento para o crescimento e para investir em muitos setores da economia mexicana, sucessivos governos viram o acordo de comércio como solução mágica para os problemas econômicos do país.

E os mexicanos têm noção disso tudo, a despeito da defesa do tratado por seu governo. Uma recente pesquisa de opinião do Parametria, um respeitado instituto mexicano de sondagem, constatou que mais de dois terços dos entrevistados acreditam que o Nafta beneficiou os consumidores e empresas dos Estados Unidos e que apenas 20% o consideram como bom para eles. A pesquisa, envolvendo 800 entrevistas domiciliares, tinha margem de erro de amostra de mais ou menos 3,5%.

"Existe uma narrativa oficial nos Estados Unidos de que o México foi o grande ganhador com o Nafta", disse Fernando Turner Dávila, secretário da Economia e Trabalho no Estado industrial de Nuevo Léon. "Enquanto isso, aqui no México, só se vê os benefícios, que são glorificados. Ninguém vê o lado negativo, muito menos fala dele".

Turner citou a perda de cerca de dois milhões de empregos no setor agrícola por conta do tratado, que beneficiou setores altamente subsidiados nos Estados Unidos, como o da produção de milho, em detrimento de agricultores mexicanos. E embora o governo do México continue a ver de forma positiva a elevação na exportação de manufaturados, o país continua a depender de muitos produtos importados do vizinho ao norte.

"O governo mexicano não estabeleceu políticas para proteger as empresas do país", disse Turner, ele mesmo empresário, operando fábricas em meia dúzia de países.

Isso posto, mesmo os críticos como Turner não querem ver o Nafta eviscerado. É um tratado imperfeito, que não cumpriu suas promessas, disse ele. Mas aboli-lo seria desastroso, acrescentou, prejudicando tanto o México quanto os Estados Unidos e causando perda ainda maior de empregos.

E também seria difícil colocar a ideia em prática, argumentam os críticos.

Depois de duas décadas, as duas economias estão estreitamente interligadas. Bens produzidos por empresas em ambos os países –quer se trate de alto-falantes, carros ou aviões– cruzam a fronteira múltiplas vezes durante o processo produtivo, em um processo compartilhado de produção que, se destruído, implicaria em perdas de empregos dos dois lados.

"Muita gente se consola com a realidade de que seria muito difícil para os Estados Unidos impor tarifas ao México sem prejudicar igualmente a própria economia", disse Christopher Wilson, pesquisador no Woodrow Wilson Institute. "É preciso algo que substitua o Nafta. De outra forma, muitos trabalhadores ficarão expostos, nos Estados Unidos".

O tratado certamente causou mudanças positivas no México, apontam os economistas. Desde que entrou em vigor, no começo de 1994, bilhões de dólares em investimento externo são realizados no país a cada ano.

Cidades provinciais sonolentas se tornaram polos industriais. Operários montam carros Ford Fusion híbridos na cidade de Hermosillo e refrigeradores Whirlpool nas cercanias de Monterey. Tijuana embarca televisores de tela plana para o outro lado da fronteira, e o Estado de Querétaro produz componentes para helicópteros e jatinhos executivos.

Por duas décadas, essas exportações foram o principal propulsor de crescimento no México, e é por isso que o governo mexicano está ansioso por defender o relacionamento comercial com o país vizinho.

Sem o tratado, o investimento externo que cria novos empregos seria lento, ou mesmo desapareceria, temem alguns. Os mexicanos sentiram um gostinho do possível efeito esta semana. Por conta de vendas baixas e das críticas de Trump, a Ford cancelou a construção de uma fábrica em San Luís Potosí, um Estado transformado pelo Nafta em polo automotivo.

"O México fez muita coisa certa", disse Gordon Hanson, especialista em comércio internacional na Universidade da Califórnia em San Diego. "Tem muito de que se orgulhar. Desenvolveu uma classe média que vive nas cidades, educa os filhos. Não é mais o México de 1993".

A imagem das fábricas em plena atividade alimenta a ideia de que o México é responsável pelo esvaziamento do coração industrial dos Estados Unidos. Mas a realidade é muito mais complicada.

Enquanto as empresas dos Estados Unidos transferiam postos de trabalho ao México por causa da mão de obra mais barata, novos empregos, de design e engenharia, ou em fábricas que fornecem componentes às linhas de montagem mexicanas, surgiam nos Estados Unidos. Em última análise, "o Nafta não causou as grandes perdas de empregos temidas pelos críticos e nem os grandes ganhos econômicos previstos pelos simpatizantes", concluiu o Serviço de Pesquisa do Congresso em 2015.

Agora, em muitos dos polos industriais mexicanos, os salários e as esperanças estão congelados.

Há 10 anos, Jorge Augustín Martínez opera uma empilhadeira para a Prolec, uma joint venture com a General Electric que produz transformadores. Pai de dois filhos, ele ganha cerca de US$ 100 (R$ 320) por semana de seis dias de trabalho.

Ainda que tenha obtido aumentos modestos para acompanhar a alta do custo de vida, o último deles aconteceu cinco anos atrás, e os produtos para a casa eram muito mais baratos então, ele disse. O aumento também veio antes do nascimento de seu segundo filho. Contando habitação, seguro, poupança e outras necessidades, lhe restam cerca de US$ 40 (R$ 130) por semana para comprar comida e os demais produtos consumidos por sua família, ele diz.

Alguns dos engenheiros da fábrica ganham mais, ele diz, mas ninguém está prosperando.

"Estamos todos na mesma, lutando por manter as contas em dia", ele disse. "Não conheço pessoa alguma que esteja muito confortável".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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