Descrição de chapéu The New York Times

Em uma semana, Trump transforma décadas de diplomacia dos EUA

DAVID E. SANGER
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

De acordo com certas avaliações, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, modificou mais a percepção da política externa dos EUA nos últimos sete dias do que seus antecessores o fizeram em sete décadas.

Uma nação que construiu globalmente sua marca como aberta aos necessitados e aos ambiciosos do mundo hoje é vista, depois do decreto de Trump sobre imigração, como fechando suas portas de uma maneira sem precedentes, mesmo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. 20 anos de esforços intermitentes para reconstruir um relacionamento com o México –sobre comércio, contraterrorismo e proibição de drogas– chocaram-se em uma explosão desnecessária com o presidente mexicano, que cancelou sua visita aos EUA.

Dois outros importantes republicanos do establishment, os senadores John McCain, do Arizona, e Lindsey Graham, da Carolina do Sul, disseram que acumular em um único decreto sobre imigração um importante adversário, o Irã, com um aliado, o Iraque, é um dos muitos motivos pelos quais as medidas são "uma ferida autoinfligida na luta contra o terrorismo".

Trump não é o primeiro presidente que anuncia mudanças políticas que surpreendem aliados e revolucionam a ordem existente. A decisão do presidente Richard Nixon (1969–1974) de abandonar o padrão ouro e reconhecer a China chocou o sistema. Assim como a do presidente George W. Bush de invadir o Iraque, apesar de a decisão ter sido telegrafada durante mais de um ano, assim como a de Obama de fechar um acordo nuclear com o Irã e retomar relações diplomáticas com Cuba.

Mas no caso de Trump temos a sensação de que a corrida atrás de mudanças foi mais rápida do que o exame das consequências indesejadas.

A proibição da imigração e de visitas de pessoas de sete países ocorreu com mínimo, ou nenhum, envolvimento do Departamento de Estado sobre as consequências regionais –assim como a declaração de Trump de que ele pretende mudar a embaixada dos EUA em Israel para Jerusalém. A ausência de uma avaliação prévia sobre como lidar com os detentores de "green card" [permissão de residência nos EUA] e os intérpretes iraquianos que receberam a promessa de entrada nos EUA em troca de trabalhar para as tropas americanas obrigou a Casa Branca a emendar suas interpretações da ordem menos de 48 horas depois de Trump assiná-la no Pentágono.

Foi muito sintomático de um novo presidente ávido para modificar primeiro e destrinchar os detalhes depois. "Isto é política de relâmpagos", disse Joseph Nye, um professor de Harvard que serviu como diretor do Conselho Nacional de Inteligência e depois escreveu extensamente sobre como os EUA podem obter vantagem com seu "poder brando" –a atração de sua cultura e sua democracia. "Você não quer rasgar 70 anos de política externa antes de saber o que irá substituí-la."

Mas nos corredores do Departamento de Estado, onde Rex Tillerson, o escolhido para secretário de Estado, apenas começou a achar seu caminho, há definitivamente a sensação entre diplomatas de carreira de que este é o Ano Zero.

Na semana passada, a "equipe de pouso" designada por Trump disse a vários dos mais graduados diplomatas do departamento –oficiais de carreira, alguns com décadas de serviço– para esvaziar seus escritórios. Quase todos haviam apresentado suas demissões, que é o protocolo quando muda o administrador, mas se ofereceram para continuar por um ou dois meses até que sucessores fossem nomeados, para garantir que as instalações do Departamento de Estado estivessem seguras, cidadãos americanos fossem retirados de locais perigosos e passaportes, emitidos.

A equipe de Trump deixou claro que não tinha interesse por transições –Tillerson não se reuniu uma única vez com seu antecessor, John Kerry, antes da posse.

Nesse clima, até medidas aparentemente rotineiras, como a reorganização do Conselho Nacional de Segurança, assumem um ar político. No domingo, o estrategista-chefe e principal ideólogo de Trump, Stephen Bannon, foi designado membro permanente do "comitê de diretores" do Conselho Nacional de Segurança, colocando um assessor político no mesmo nível dos secretários de Estado e da Defesa. Enquanto isso, o diretor da Inteligência Nacional e o presidente do Estado-Maior Conjunto pareciam ser rebaixados, chamados a participar só quando seus problemas estivessem sobre a mesa.

"Isto é completamente maluco", escreveu no Twitter a ex-assessora de Segurança Nacional Susan Rice. "Quem precisa de conselho militar ou de inteligência para fazer políticas sobre o Estado Islâmico, a Síria, o Afeganistão, a Coreia do Norte?", disse ela.

A resposta de Trump é simples: quando você veio para inverter o establishment, este deve esvaziar o local.

Traduzido por LUIZ ROBERTO M. GONÇALVES

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