Discurso mais suave de Trump teve boa acolhida, mas gera desconfiança

ISABEL FLECK
DE WASHINGTON

A primeira frase do presidente norte-americano, Donald Trump, em seu primeiro discurso ao Congresso, na noite de terça-feira (28), lembrou o fim do Mês da História Negra e versou sobre o caminho que os Estados Unidos precisam ainda percorrer na defesa dos direitos civis.

Nas seguintes, o mandatário disse que o país permanece unido em condenar o ódio em todas as suas formas e que essa é a hora da "renovação do espírito americano" e de deixar para trás "brigas triviais".

As declarações, que soariam comuns vindas de qualquer presidente da história recente do país, surpreenderam ao sair da boca de Trump.

A mudança de tom —da fala apocalíptica da posse para uma postura realmente "presidencial"— se refletiu em números: 78% da população consideraram o discurso positivo, sendo 57% "muito positivo", segundo pesquisa CNN/ORC desta quarta (1º).

O efeito foi sentido também nos mercados —com o índice Dow Jones superando os 21 mil pontos pela primeira vez na história— e na imprensa americana, que reconheceu o esforço de Trump num discurso no qual não se voltou nenhuma vez contra a mídia ou contra seus opositores.

A mudança, porém, trouxe consigo a desconfiança sobre quanto tempo durará a "lua de mel" de Trump, cuja aprovação está em torno de 40%, com a população.

Principalmente se considerado o histórico: o republicano já havia feito um discurso mais conciliador logo após ser eleito, em novembro, mas semanas depois voltou à retórica da campanha.

Logo após o pronunciamento, a Casa Branca anunciou que adiaria a assinatura de um novo decreto anti-imigração, que também deverá proibir temporariamente a entrada de refugiados e de cidadãos de países de maioria muçulmana.

A decisão de postergar o anúncio deve estender um pouco mais o clima positivo.

"O discurso sugere que talvez Trump esteja aprendendo com o trabalho e começando a reconhecer a gravidade e a importância do que está fazendo. Mas teremos que esperar para ver", disse Christopher Ellis, autor do livro "Ideologia na América", à Folha.

Ellis destaca que, apesar da mudança no tom, o conteúdo da fala de Trump segue muito do que o presidente já tem pregado: a importância da aplicação da lei quando o assunto é imigração, a substituição do Obamacare, uma abordagem dura contra o "terrorismo islâmico radical".

O cientista político Hans Noel, da Universidade Georgetown, concorda que a posição de Trump continuou estável em muitos pontos. "A proposta de criar uma agência para rastrear crimes cometidos por imigrantes, particularmente, não é nada moderada", diz.

Os democratas defenderam, depois do discurso, a visão de que Trump não mudou. "A questão é que ele tem se comportado tão mal, que se ele não faz isso uma vez, as pessoas já pensam que está melhorando. Mas ele não está, isso foi uma performance teatral", disse o deputado Keith Ellison, vice-presidente do Comitê Nacional Democrata.

O vice-presidente Mike Pence, em entrevista à MSNBC nesta quarta, recusou esse tipo de argumento, dizendo que aquele Trump visto no palanque "era realmente ele".

"Para as pessoas que o conhecem há muito tempo, é assim que ele [Trump] é", disse o porta-voz Sean Spicer a jornalistas horas depois.

O discurso, escrito principalmente pelo estrategista-chefe, Stephen Bannon, e pelo assessor político Stephen Miller, com a ajuda de outros membros da equipe, teria sido alterado em vários pontos pelo presidente, segundo funcionários da Casa Branca.

Contudo, o impacto de sua fala —vista pela TV por cerca de 43 milhões de pessoas, audiência superior à do discurso de posse, de 30,6 milhões— entre a população é incerto a longo prazo.

Para Ellis, entre os eleitores de Trump e a parcela que o odeia, o discurso não deve mudar opiniões. "Mas não podemos esquecer que parte da população não votou, e teve quem votou em Trump sem gostar dele –apenas por achar que era menos pior. Esse tipo de discurso pode dar a elas algum tipo de conforto."

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