Somália volta a registrar alta de ataques de piratas

ABDI GULED
DA ASSOCIATED PRESS, EM EYL (SOMÁLIA)

Empurrando seu pequeno barco pesqueiro para o mar, Hassan Yasin se queixa de algo que ele e outros somalis da região costeira veem como ameaça a seu modo de vida: o assédio de pescadores ilegais e ataques lançados por grandes embarcações estrangeiras que pescam com redes de arrastão.

"Eles atiram em nós ou destroem nossos barcos", disse o somali magro de 27 anos, puxando uma corda para dar partida no motor. Ao longo da praia há barcos cheios de areia que, segundo os pescadores, pertencem a colegas seus que abandonaram o trabalho devido aos riscos envolvidos.

O sequestro de um navio petroleiro ao largo da costa norte da Somália na segunda-feira (13) surpreendeu a comunidade internacional de transportes marítimos, após vários anos sem um ataque pirata a uma grande embarcação comercial na região.

Patrulhas navais de membros da Otan (aliança militar ocidental) e outros países, como a China, garantiram a calma nessa importante rota comercial global, que em dada época foi palco de centenas de ataques piratas.

Mas os moradores do vilarejo de Eyl estavam prevendo algo desse tipo.

Alguns deles são antigos piratas que deixaram a atividade nos últimos anos, quando a pressão internacional cresceu e navios de carga passaram a levar guardas armados a bordo. Eles passaram a trabalhar com a pesca, mas dizem que agora são eles que são atacados no mar.

Nos últimos anos, autoridades locais avisaram que a pesca predatória realizada por barcos de arrastão estrangeiros estava destruindo os meios de subsistência das comunidades do litoral, suscitando o medo de que a pirataria voltasse como meio de ganhar dinheiro. As autoridades atribuem o problema a barcos pesqueiros com bandeiras do Iêmen, China, Índia, Irã e Djibuti.

"A pesca ilegal é um problema muito sério. A pesca diminuiu, equipamentos foram confiscados, destruíram nossos bens e nosso meio de subsistência", disse a vendedora de pescado Aisha Ahmed. Para o presidente da associação de pescadores, Mohamed Saeed, as frustrações são crescentes. "Hoje os pescadores não têm outra opção senão lutar", ele disse.

O líder local Salad Nur disse à agência de notícias Associated Press que na terça-feira (14) o navio petroleiro sequestrado estava ancorado ao largo da cidade de Alula. Segundo ele, movidos pela frustração, alguns pescadores jovens, entre os quais alguns antigos piratas, tinham saído à procura de um navio estrangeiro para sequestrar.

"Pescadores estrangeiros destruíram seu meio de subsistência e os privaram de bons estoques de peixes", ele explicou.

Os homens armados estavam pedindo o pagamento de resgate para liberarem o navio e tinham feito a tripulação de refém, segundo informou na noite de terça-feira a operação antipirataria da União Europeia, depois de entrar em contato com o mestre do navio.

Crédito: Negócio Pirata Crime movimenta milhões de US$ na Somália

John Steed, diretor da organização Oceans Beyond Piracy, disse que a pesca ilegal precisa ser combatida. "É uma atividade agressiva. Em alguns casos, frotas pesqueiras internacionais pressionam e até atacam pescadores locais, gerando ressentimentos", ele escreveu em e-mail.

"Há uma situação de fome generalizada e carestia na região. O pescado é uma solução possível", ele disse, aludindo à seca na Somália, que o país recentemente declarou constituir um desastre nacional. "As comunidades pesqueiras estão revoltadas, e pescadores sem trabalho se converteram em piratas."

Mas, segundo Steed, a pesca ilegal não desculpa a pirataria. Ele descreveu o sequestro do navio, na segunda-feira, como ataque a um "alvo de oportunidade".

A Organização das Nações Unidas avisaou em outubro que a situação era frágil e que piratas somalis "possuem a intenção e capacidade de retomar ataques".

Steed indicou que alguns atores na região baixaram a guarda, à medida que o número de ataques piratas foi diminuindo nos últimos anos. Em dezembro a Otan encerrou sua missão antipirataria nas águas da Somália.

Abdirizak Mohamed Ahmed, diretor da Agência Antipirataria, no Estado semiautônomo de Puntland, no norte da Somália, disse que não se surpreendeu com o sequestro da segunda-feira.

Ele explicou que a concessão de licenças falsas de pesca a pescadores estrangeiros e a implementação leniente das normas, por parte das autoridades locais, estão entre as principais razões do aumento da pesca ilegal.

Pescadores somalis denunciaram vários casos recentes de ataques lançados por embarcações pesqueiras ilegais. Um pescador morreu e outro ficou gravemente ferido quando uma embarcação grande de pesca com arrastão atropelou um pequeno esquife ao largo da costa no início deste mês, segundo Ahmed.

Os pescadores locais também denunciaram incidentes em que pescadores estrangeiros abriram fogo contra eles ou roubaram seus peixes já pescados.

"É uma questão de vida ou morte. Temos que lutar a qualquer custo", disse na terça-feira o comandante pirata somali Bile Hussein, depois de ser divulgada a notícia do novo sequestro. Ele disse que estava em contato com os homens armados a bordo do navio petroleiro sequestrado e que eles ainda não tinham decidido o valor do resgate a ser pedido.

Tradução de CLARA ALLAIN

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