Descrição de chapéu The New York Times

Antes de visita, secretário de Estado dos EUA adota linha dura com a Rússia

DAVID E. SANGER
DO "NEW YORK TIMES"

O secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson está adotando uma linha dura contra a Rússia pouco antes de sua primeira viagem diplomática a Moscou, definindo os russos como "incompetentes" por terem permitido que a Síria retivesse suas armas químicas e acusando-os de tentar influenciar eleições na Europa usando os mesmos métodos que empregaram nos Estados Unidos.

Os comentários de Tillerson, feitos em entrevistas que ele concedeu no domingo (9), foram muito mais críticos com relação ao governo russo do que qualquer declaração pública do presidente Donald Trump, que vem se tornando uma voz cada mais solitária em sua defesa de um relacionamento melhor com a Rússia. Eles parecem refletir a expectativa de Tillerson, expressa em conversas privadas com assessores e legisladores, de que o relacionamento entre os Estados Unidos e a Rússia esteja revertendo à norma: fricção, desconfiança e esforços mútuos de redução da influência do oponente.

"Isso era inevitável", disse Philip Gordon, antigo coordenador do Conselho de Segurança Nacional norte-americano e hoje parte do Conselho de Relações Estrangeiras, uma organização de pesquisa. "A iniciativa de Trump de promover a amizade com os russos era incompatível com os nossos interesses, e era fácil perceber que terminaria em lágrimas". Gordon acrescentou que o comportamento dos russos não mudou e eles "estão usando todos os meios de que dispõem - ações cibernéticas, arranjos econômicos, intimidação - para reconquistar espaço no Oriente Médio e Europa".

Tillerson deixou claro que concorda com essa visão, desconsiderando a insistência de Trump em que não houve interferência russa na eleição presidencial norte-americana do ano passado, a despeito das conclusões em contrário dos serviços de inteligência norte-americanos. Essa interferência "solapa qualquer esperança de uma melhora no relacionamento", disse Tillerson no programa "This Week", da rede de TV ABC. "E não só com os Estados Unidos; é bastante evidente que eles estão empregando táticas semelhantes em processos eleitorais em toda a Europa".

Essa retórica dura dificultará o trabalho de Tillerson quando ele chegar a Moscou na terça-feira para a primeira visita de um funcionário importante do governo Trump à Rússia. Embora ele deva fazer advertências severas ao ministro do Exterior Sergei Lavrov, e ao presidente Vladimir Putin, caso eles se reúnam - não estava claro que um encontro entre os dois tivesse sido discretamente agendado -, Tillerson também precisa encontrar uma maneira de continuar contando com os russos no combate ao Estado Islâmico, e para facilitar contatos com o presidente sírio Bashar Assad.

Mas até o momento da chegada de Tillerson à Itália para um encontro com outros ministros do Exterior antes de sua visita a Moscou, o governo norte-americano continuava a enviar sinais conflitantes sobre a política norte-americana na Síria e sobre até que ponto considera os patronos de Assad responsáveis pela violência continuada no país.

Tillerson e o novo assessor de segurança nacional da Casa Branca, o general H. R. McMaster, em entrevista ao programa "Fox News Sunday", disseram que os ataques dos Estados Unidos a uma base aérea síria, na semana passada, tinham por objetivo apenas impedir novos ataques químicos pelas forças armadas sírias, e não desestabilizar ou derrubar o governo de Assad.

"O que é significativo sobre o ataque não é o fato de que seu objetivo fosse eliminar a capacidade ou o poder do governo sírio para cometer homicídio em massa contra seu próprio povo", disse McMaster, que estava fazendo sua estreia no circuito dominical de programas noticiosos, "mas sim que deveria servir como forte sinal a Assad e seus patrocinadores de que os Estados Unidos não podem ficar inertes enquanto ele assassina civis inocentes".

Nenhum dos dois confirmou se aconteceriam novas ações militares na Síria mesmo que Assad continue a matar grande número de civis por meios convencionais, em lugar das armas químicas que levaram Trump a reverter sua posição quanto à intervenção. Em lugar disso, Tillerson disse que derrotar o Estado Islâmico continuava a ser a principal prioridade. Só quando isso acontecer, disse o secretário de Estado, suas atenções se voltarão a um processo de cessar-fogo que conduza a uma eleição, "para que o povo sírio possa decidir o destino de Assad".

Mas a embaixadora norte-americana às Nações Unidas, Nikki Haley, indicou que esse processo não teria chance de sucesso enquanto Assad continuar no poder. "Sabemos que não existe qualquer opção de solução política bem sucedida enquanto Assad continuar à frente do regime", ela disse à CNN. "Se você considerar as ações dele, se observar a situação, fica difícil ver um governo pacífico e estável comandado por Assad".

A declaração contrastava não só com os comentários de Tillerson mas com o que Haley mesmo havia dito uma semana atrás - antes do ataque de Assad com armas químicas contra civis -, quando ela insistiu em que a remoção do presidente sírio de seu posto não era prioridade diplomática para os Estados Unidos.

Ainda assim, o tom geral de suspeita e condenação às ações russas na Síria indicava que os principais assessores de segurança nacional de Trump estão tentando encaminhá-lo a uma política mais tradicional para com a Rússia. Durante o período em que foi presidente-executivo da Exxon Mobil, Tillerson recebeu uma condecoração de Putin por sua amizade com a Rússia, e está ciente da desconfiança com que seu relacionamento com os russos é encarado; por isso, foi mais longe do que qualquer outro representante do governo norte-americano em seus esforços por se distanciar do líder russo.

E os desafios quanto a isso só se multiplicaram, nos últimos dias. Os russos, furiosos com o ataque à base aérea, ameaçaram cortar uma linha de comunicação que as forças armadas norte-americanas e russas vinham usando para trocar notificações sobre operações aéreas na Síria. E o ataque forçou Putin a estreitar seu relacionamento com Assad, talvez aproximando os russos do regime sírio mais do que o presidente preferiria.

Haley, que como Tillerson é novata na diplomacia, também parece ter concluído que adotar linha dura para com a Rússia é o caminho mais seguro. Há um contraste notável entre suas palavras e as declarações calorosas de Trump sobre Putin na campanha eleitoral - bem como sua recusa em reconhecer a interferência russa na eleição presidencial.

Vem sendo difícil compreender a política do governo Trump para com a Síria. Tillerson, em suas primeiras declarações televisivas desde que assumiu o posto, parecia estar descrevendo dois objetivos estratégicos diferentes: deter os ataques químicos e, mais adiante, negociar um cessar-fogo. Mas ele deixou claro que não tinha a intenção de apoiar uma intervenção militar que poderia derrubar Assad.

Isso sugere que enquanto o ditador se limitar a usar meios convencionais para matar o povo de seu país - bombas aéreas improvisadas mas de alta potência, em lugar de gás sarin -, os Estados Unidos continuarão a não intervir.

"Creio que aquilo os Estados Unidos e nossos aliados querem fazer é permitir que o povo sírio determine" o destino de Assad, disse Tillerson no programa "Face the Nation", da rede de TV NBC - linha que foi usada com frequência por seu predecessor no governo Obama, John Kerry. "A verdade é que vimos, na Líbia, o que uma mudança violenta de regime causa, e o tipo de caos que isso provoca".

As declarações indicam que Trump ainda não tem uma estratégia maior para a Síria. Veteranos especialistas em questões do Oriente Médio dizem que isso pode ser positivo.

"Da minha parte, fico feliz por ele não ter uma estratégia plenamente desenvolvida, porque se ele tivesse provavelmente seria a errada", disse Ryan Crocker, talvez o diplomata de carreira norte-americano mais experiente na região, hoje diretor da Escola George Bush de Governo e Serviço Público na Universidade A&M, no Texas.

"Há variáveis demais, incógnitas demais", ele disse, entre as quais a expectativa entre os aliados dos Estados Unidos, como por exemplo a Arábia Saudita, de que Trump deveria enfatizar a remoção de Assad e não a derrota do Estado Islâmico.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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