Resultado de referendo solapa aspirações da oposição na Turquia

YAVUZ BAYDAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Acabou. Que o resultado do referendo turco tenha sido tão apertado não foi surpresa: afinal, uma sociedade rachada pela política de polarização de Recep Tayyip Erdogan só poderia tomar sua decisão por margem mínima. E os oposicionistas que questionam o resultado estão condenados à decepção.

A amarga verdade é que uma minoria dos eleitores turcos, por mais ínfima que tenha sido, disse sim ao "contragolpe" de Erdogan, e ele agora completa seu sonho de governar sem qualquer contrapeso, e com todas as instituições do Estado —o que inclui o Conselho Eleitoral— sob seu controle.

O presidente está determinado a reagir a qualquer dissidência com uma prorrogação ad infinitum do estado de emergência, se precisar.

Com esse resultado, a Turquia tal qual a conhecemos ficou na História. Depois de uma série de experiências instáveis de administração pela elite civil e militar, a arquitetura de gestão concebida por Mustafa Kemal Atatürk —o fundador do Estado— e seus amigos se viu desmantelada pelo líder do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), que também liquidou reformistas que um dia foram seus companheiros.

O colapso do Estado de Direito que vinha sendo observado em câmera lenta desde os protestos do Parque Gezi [2013] veio acompanhado pela erosão da separação entre os poderes e pela aniquilação da mídia independente, e muito pouco resta da Velha República. O golpe final contra foi desferido no domingo.

Nesse sentido, aqueles que apontam para as notáveis semelhanças com os acontecimentos de 1933 na Alemanha e com o infame referendo de 1934 têm um bom argumento. As semelhanças causam forte sensação de que a História está se copiando.

Essa é uma interpretação válida. Mas sob outra perspectiva, o resultado do domingo foi o fim de um capítulo em que a periferia da sociedade turca, rural e em geral religiosa, extraiu sua vingança contra o centro da Velha República, no que alguns líderes do AKP chamam de "Revolução Silenciosa".

"A república turca tem uma história inegavelmente complicada", escreveu Steven Cook, do Council on Foreign Affairs, em um ensaio intitulado "Descanse em Paz, Turquia; 1921-2017".

"No espaço de menos de um século, uma sociedade majoritariamente agrária e que havia sido devastada pela guerra foi transformada em uma potência próspera capaz de exercer influência em sua região e muito além dela.

Ao mesmo tempo, a história da Turquia moderna também foi não democrática, repressiva e ocasionalmente violenta. Assim, faz sentido que Erdogan busque transformar a Turquia pela ampliação dos poderes da Presidência".

Agora, talvez, o papel de vítima tenha sido assumido pela parte rebelde da elite turca, conhecida por sua tradição de independência.

É doloroso ver o desaparecimento dos intelectuais turcos. Resistentes por tradição, tudo que ouvi deles foi a sensação de profunda derrota. O que unia a todos, independentemente da coloração política, era a esperança de mudança democrática sob o AKP.

Muitos deles deram crédito ao partido pelas promessas e passos iniciais para o restabelecimento da ordem e compartilhamento do poder, a fim de romper o círculo vicioso de uma república marcada por injustiças.

Mas a reversão da democratização por Erdogan causou a todos a impressão de que haviam sido enganados, e resultou em alienação. Essa percepção chegou ao seu pico quando a tentativa de golpe do ano passado resultou em expurgo e prisões.

Jornalistas como eu se verão cada vez mais desafiados.

Sob o despotismo institucionalizado, a cobertura da corrupção será um ato de ousadia, as medidas mais severas continuarão a vigorar contra o jornalismo crítico, e a resistência restante dos proprietários das mídias sumirá. Inevitavelmente, essas condições transferirão o epicentro do jornalismo independente para fora da Turquia.

"Em última análise, Erdogan está apenas substituindo uma forma de autoritarismo por outra", escreveu Cook.

"A república turca sempre teve defeitos mas sempre conteve a aspiração de que o país um dia pudesse se tornar uma democracia. A nova Turquia de Erdogan põe fim a essa perspectiva."

YAVUZ BAYDAR é jornalista turco autoexilado na França desde julho e colaborador do jornal "The New York Times".

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