Argentinos protestam contra decisão que beneficia membros da ditadura

Crédito: Leo LaValle/Associated Press Milhares de pessoas se reúnem na Praça de Maio em protesto contra liberação de membros da ditadura
Milhares de pessoas se reúnem na Praça de Maio em protesto contra liberação de membros da ditadura

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

"Senhores juízes: nunca mais. Nenhum genocida solto". Esse foi o bordão da manifestação na noite desta quarta-feira (10) em Buenos Aires, que reuniu milhares de pessoas (segundo organizadores, pois não houve números oficiais) caminhando desde o Obelisco e o Congresso até a Praça de Maio, onde se localiza a Casa Rosada, sede do governo argentino.

O protesto foi motivado por uma polêmica decisão da Corte Suprema do país, que na semana passada utilizou uma lei já derrogada, a chamada "lei do 2x1", para colocar em liberdade um repressor da última ditadura (1976-1983), Luis Muiña, condenado em 2011 a 13 anos de cadeia pelo sequestro e tortura de cinco pessoas.

A "lei do 2x1" recebeu esse nome porque permitia que cada ano de prisão preventiva de um acusado valesse por dois anos após definição da sentença.

A reação das organizações de direitos humanos e de parte da sociedade foi imediata. A pressão sobre o governo, também, fazendo com que o Executivo enviasse ao Congresso, na terça-feira (9), um projeto de lei proibindo que a "lei do 2x1" fosse usada novamente em casos de crimes de lesa-humanidade —segundo a lei argentina, aqueles cometidos apenas pelo Estado.

A lei foi aprovada já na tarde desta quarta-feira (10), pouco antes de a manifestação começar –alguns deputados saíram da votação para se unir aos manifestantes nas ruas. Entre os deputados, só um votou contra. No Senado, a aprovação foi unânime. A decisão do Congresso impedirá que outros militares façam uso do recurso.

"Fiquei muito chocada quando soube que tanto o militar que me tirou da minha mãe quanto o médico que cortou meu cordão umbilical, que hoje estão presos, tinham pedido para serem acolhidos pela lei. Estou feliz de saber que isso não será mais possível", disse a hoje deputada Victoria Donda (filha de uma guerrilheira desaparecida), que compareceu ao protesto.

Diante da Casa Rosada foi montado um palco, em que diversas autoridades e líderes de movimentos falaram. Um dos momentos mais emocionantes foi quando Taty Almeida, 86, integrante da chamada Linha Fundadora das Mães da Praça de Maio, discursou: "Nunca mais devemos voltar a discutir privilégios a genocidas. Nunca mais devemos permitir o esquecimento e o silêncio".

Atrás delas, outras mães de desaparecidos se alinhavam, algumas em cadeiras de roda. A última a discursar foi Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio, que entoou o coro: "Aonde foram nós vamos buscá-los", referindo-se aos repressores.

Depois, iniciou-se um coro de "queremos justiça". Quando um dos líderes dos movimentos sociais leu nomes de ex-repressores que estão na cadeia, ouviam-se vaias e gritos de: "Assassinos! Assassinos!". Vários manifestantes usavam lenços brancos na cabeça e cartazes dizendo: "Nunca mais".

CAUSA POLÍTICA

O presidente Mauricio Macri parabenizou o Congresso, dizendo que nunca esteve a favor do "2x1" e "nem a nenhuma lei que permita a impunidade, principalmente em casos de crimes contra a humanidade".

O texto agrega à Constituição um parágrafo que veta a possibilidade legal de aplicar as chamadas "penas mais benignas" a "condutas delitivas que se enquadrem na categoria de lesa humanidade, genocídio ou crimes de guerra."

A oposição, porém, acusa Macri de oportunismo eleitoral —há eleições para renovar o Congresso em outubro, e ele busca apoio das entidades de direitos humanos.

Na tarde de terça (9), deputados kirchneristas disseram que o presidente sempre esteve a favor de resoluções a favor de reduzir penas dos mais de 700 agentes da repressão hoje presos.

Além disso, a decisão da Corte Suprema que aplicou o "2x1" teve o voto definitivo dos chamados "juízes de Macri", os dois apontados por ele, por decreto, em 2015.

Advogados de ex-repressores, que apoiaram a eleição de Macri, criticaram a nova posição do presidente.

"Sua postura e a de membros de seu governo nos causam nojo. Em campanha, Macri nos disse que simpatizava com a ideia de indultos e anistias", diz à Folha Gerardo Hardy, presidente da Associação Justiça e Concórdia, que representa ex-militares presos.

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