Agência AP divulga revisão de sua cobertura da Alemanha nazista

Crédito: Associeted Press Multidão saúda o ditador nazista Adolf Hitler que desfila em carro pelas ruas de Munique, Alemanha, durante a celebração dos 10 anos do movimento Nacional Socialista, em novembro de 1933. *** Adolf Hitler is shown being cheered as he rides through the streets of Munich, Germany, November 9, 1933, during the celebration of the 10th anniversary of the National Socialist movement. (AP Photo)
Multidão saúda o ditador nazista Adolf Hitler que desfila em carro pelas ruas de Munique em 1933

DA ASSOCIATED PRESS, EM NOVA YORK

A agência de notícias Associated Press (AP) realizou uma profunda revisão de sua cobertura na Alemanha nazista e concluiu que agiu "da maneira mais franca e independente possível". Mas a revisão também concluiu que a AP tratou algumas situações de forma inadequada.

A revisão foi empreendida depois que um artigo publicado no ano passado afirmou que a AP permitiu que os propagandistas nazistas exercessem certa influência em suas reportagens fotográficas na década de 1930, ao manter uma subsidiária na Alemanha, registrada sob a rígida lei de imprensa nazista.

A autora do artigo, a historiadora Harriet Scharnberg, também identificou fotógrafos alemães da AP que foram recrutados ou aderiram a unidades de propaganda militar nazista durante a Segunda Guerra, alguns deles enquanto ainda eram pagos pela AP.

A revisão feita pela agência refutou a conclusão de Scharnberg de que a AP foi de certa forma cúmplice do regime nazista durante os anos de 1933 a 1941, quando a agência esteve presente no país. A AP foi expulsa da Alemanha quando os EUA entraram na guerra, em dezembro de 1941.

"Reconhecemos que a AP deveria ter feito as coisas de outro modo durante esse período, por exemplo, protestar quando suas fotos eram exploradas pelos nazistas para propaganda interna na Alemanha e recusar-se a empregar fotógrafos alemães com afiliação e lealdade política ativas", diz o relatório.

"Entretanto, sugestões de que a AP em algum momento tentou ajudar os nazistas ou a sua causa hedionda estão simplesmente erradas", acrescenta.

"Devido em grande parte às reportagens agressivas da AP, os perigos das ambições nazistas de dominação da Europa e o tratamento brutal dado aos adversários foram revelados ao mundo como um todo."

O relatório enumera casos em que os editores da AP se chocaram com censores nazistas e também exigiram que medidas mais fortes fossem tomadas para manter o serviço de fotografia da AP na Alemanha livre da propaganda nazista.

Ele também cita reportagens da AP nos anos 1930 que alertaram os leitores nos EUA sobre os atos de antissemitismo e crueldade do regime nazista, tanto em palavras como em fotos.

A editora-executiva da AP, Sally Buzbee, disse que a cobertura da agência na Alemanha nazista refletiu seus princípios básicos de reportagem.

"É essencial cobrir os regimes tirânicos e outros movimentos antidemocráticos, quando possível de dentro das fronteiras que eles controlam, para transmitir de maneira correta o que acontece lá", declarou. "É o que fazemos, sem comprometer a independência ou os padrões da AP."

"A AP acredita que é importante conhecer a própria história –incluindo os defeitos–, e por isso reexaminamos aquele período com um olhar firme", diz a introdução do relatório, escrito por John Daniszewski, vice-presidente e editor-geral de jornais da AP.

O relatório foi escrito por Larry Heinzerling, um professor-assistente adjunto na Escola de Jornalismo de Columbia e vice-editor aposentado da seção internacional da AP, com contribuições do pesquisador investigativo Randy Herschaft.

A pesquisa começou há mais de um ano, com uma revisão de arquivos da agência até então não examinados. Depois ela se estenderia a outros registros, incluindo documentos militares dos EUA e histórias verbais e documentos pessoais de funcionários já falecidos. Scharnberg também foi entrevistado.

O relatório comenta que Louis P. Lochner, o chefe da sucursal da AP em Berlim de 1928 a 1941, recebeu o Prêmio Pulitzer em 1939 por sua cobertura abrangente do regime nazista, incluindo as políticas e os atos antissemitas dos nazistas.

Um germano-americano e ex-defensor da paz na Primeira Guerra Mundial que pessoalmente desprezava os nazistas, Lochner estava consciente de que alguns críticos nos EUA o consideravam pró- nazista, especialmente quando ele cobriu as vitórias militares nazistas nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial.

Algumas das principais conclusões do relatório sobre o período 1933-41:

— O serviço fotográfico alemão da AP, criado como subsidiária em 1931, forneceu fotos à mídia alemã depois que os nazistas assumiram o poder em 1933. Os nazistas rapidamente colocaram o serviço de fotos da AP e todas as outras companhias de mídia alemãs sob a supervisão do Ministério da Propaganda. Enquanto a direção da AP insistia que seu serviço de produção de fotos alemão continuava neutro, membros alemães da equipe enfrentavam constante pressão de autoridades do Ministério da Propaganda sobre a produção de fotos da AP, "com alguns se saindo melhor que outros em resistir as exigências nazistas".

— As legendas de fotos da AP quando apareciam na mídia alemã eram muitas vezes reescritas ou publicadas sob títulos enganosos ou ofensivos. Embora a AP protestasse e lutasse contra as tentativas nazistas de censurar a própria AP, a revisão não encontrou evidências de que a AP protestou contra esses abusos da mídia pró-nazista. A prática atual da AP exige uma forte reação quando clientes da agência distorcem propositadamente o significado de qualquer conteúdo da AP.

— Depois de resistir durante dois anos, no final de 1935 a AP se submeteu a uma ordem antissemita de que todas as pessoas que trabalhavam na mídia alemã deviam ser de origem alemã "ariana". O serviço de fotografia alemão da AP demitiu seis funcionários considerados judeus pelos nazistas, enquanto os ajudava a encontrar trabalho em outros lugares. "A AP tomou a difícil decisão de obedecer porque acreditava que era crítico que a AP permanecesse na Alemanha e obtivesse notícias e fotos durante esse período crucial", disse o relatório. Com a ajuda da agência, todos esses empregados emigraram e sobreviveram ao Holocausto.

— Os repórteres americanos da AP baseados em Berlim e os fotógrafos alemães cobriram a primeira parte da Segunda Guerra, de 1939 a 1941, pelo lado alemão das frentes de batalha. Os EUA ainda não tinham entrado na guerra, mas parte dessa cobertura foi criticada pela Embaixada dos EUA em Berlim como canalizando opiniões oficiais e de desinformação; executivos da AP em Nova York avaliaram as acusações e rejeitaram as críticas, afirmando que as reportagens da AP refletiam os fatos como eram vistos pelos repórteres.

— Alguns funcionários alemães da AP tinham opiniões pró-nazistas e cobriram com entusiasmo o lado alemão da guerra. Um fotógrafo da equipe e depois independente empregado pelo serviço alemão da AP foi o austríaco Franz Roth, um nazista fervoroso que viajou como fotógrafo de guerra com a milícia nazista SS para várias frentes, antes e depois da expulsão da AP da Alemanha. Ele morreu como fotógrafo de combate em 1943.

— Depois de 1939, o governo alemão recrutou vários empregados do serviço de fotografia da AP na Alemanha para servirem como unidades de propaganda acompanhando as tropas e cobrindo os combates, exigindo que as fotos resultantes fossem postas à disposição da mídia alemã, enquanto seus salários ainda eram pagos pela AP Alemanha. A direção da AP na época acreditava que suas fotos tinham valor informativo, apesar das restrições causadas pelas viagens com as forças alemãs.

Algumas das principais conclusões do relatório sobre o período 1942-45:

— Com a entrada dos EUA na guerra contra a Alemanha, em dezembro de 1941, os membros americanos da equipe da AP foram detidos durante cinco meses antes de ser deportados em uma troca de prisioneiros. O serviço de fotografia alemão da AP foi confiscado, entregue ao Ministério das Relações Exteriores alemão e colocado sob o controle de um fotógrafo das Waffen SS, Helmut Laux. A maior parte do antigo pessoal da AP foi obrigado a operar sob Laux; outros foram enviados a unidades militares.

— Em um acordo feito em Portugal, país neutro, em 1942 entre Laux e o correspondente local da AP, a operação de Laux reunia e enviava pacotes regulares de fotos censuradas da Alemanha e da Europa ocupada pelos alemães para os escritórios da AP em Nova York e Londres via Lisboa. Em troca, com o conhecimento e aprovação das autoridades dos EUA durante a guerra, a AP enviava fotos dos EUA a países neutros para distribuição na Alemanha. O intercâmbio foi aprovado pela sede da AP em Nova York e os relatórios anuais da agência na época deixavam claro que ela recebia fotos de áreas ocupadas pela Alemanha nazista.

Com uma exceção, segundo o relatório da AP, as imagens da agência que apareceram em publicações alemãs por meio desse acordo durante a guerra não foram adulteradas pelos alemães, mas as legendas eram reescritas por propagandistas alemães de acordo com a visão oficial nazista.

Segundo o relatório, a direção da AP em Nova York considerou que obter as fotos alemãs era uma maneira importante de cumprir sua missão de cobrir a guerra do modo mais abrangente possível.

"Embora o intercâmbio exigisse tratar com o regime nazista, a AP acreditava então, assim como hoje, que as fotos deram ao público americano uma imagem muito mais completa da guerra do que se poderia obter de outro modo", diz o relatório da AP. "Isso incluiu cenas de combate na frente russa, o resultado de bombardeios em cidades alemãs e a diminuição das conquistas alemãs na guerra."

Traduzido por LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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